quarta-feira, maio 28, 2008

Pode-se escrever o mesmo...Pescadinha de rabo na boca!



in jornal de angola

( autor desconhecido )
A quadrilha dos abusadores Jornal de Angola

A liberdade de Imprensa teve sempre inimigos confessos e alguns idiotas úteis que, mesmo sem o saberem, são os inimigos mais difíceis de conter ou de enfrentar. São aqueles que os patrões usam para todos os abusos, para todos os fins, para todas as manobras.

O jornal "Público", propriedade de Belmiro de Azevedo, está cheio desses idiotas úteis que vêem defeitos em tudo e em todos, menos no dono. O império mediático de Francisco Balsemão é servido por inúmeros idiotas úteis que abusam da liberdade de imprensa, convencidos de que assim são a perfeita voz do dono. As vítimas destes abusadores, regra geral, ignoram-nos e falam directamente com os donos. Às vezes resulta e eles são silenciados com um açaime ou um corte na ração. Outras vezes, os donos assumem um ar sério e dizem que nada podem fazer, em nome da liberdade de imprensa.

Imaginemos que na última edição do "Eixo do Mal", na SIC-Notícias, os alarves que lá montam a banca dos abusos, diziam que Pinto Balsemão é o capitão de uma quadrilha, que é ladrão, que é cleptomaníaco. Imaginemos que algum daqueles idiotas exigia ao Governo de Angola que pusesse na ordem o proprietário da SIC. Ou, imaginemos, que um qualquer empregado do jornal “Público” ia para o "Eixo do Mal" dizer que Belmiro de Azevedo roubou uma fortuna ao banqueiro Afonso Pinto de Magalhães, enganou a sua viúva e restantes herdeiros do falecido banqueiro. E que à custa dessa actividade de capitão de gang ou de chefe de quadrilha, construiu o império SONAE.

Imaginemos que o pobre idiota servidor do "Público", e que recebe mais uns trocos para ser abusador no "Eixo do Mal", apelava ao Governo de Angola para denunciar o ladrão do banqueiro e seus pobres e inconsoláveis familiares. Os idiotas úteis que abusam da liberdade de imprensa no “Eixo do Mal”, jamais se atreveriam a cuspir no prato dos donos. Eles sabem o que aconteceu ao jornalista João Carreira Bom por ter ousado escrever umas palavrinhas que indispuseram Pinto Balsemão.

E o que aconteceu a vários jornalistas do "Público" quando o patrão os considerou indesejáveis. Aliás, quando um pobre diabo que fingia ser jornalista do “Público” foi processado por ofender gravemente um político angolano, ele arrojou-se aos pés do ofendido e pediu perdão porque o patrão lhe garantiu que não pagava um tostão de indemnização em caso de condenação.

Clara Ferreira Alves precisa de acumular uns dinheiros para fazer uma plástica. Vai daí insulta e calunia quem o capitão da sua quadrilha soarista manda. Mas parece que dali já pouco pinga dos diamantes de sangue, ela tem de arranjar outro quadrilheiro. Daniel Oliveira, um pobre diabo sem profissão, funciona com moedas na boca. É como os telefones das cabines públicas. José Júdice é um boneco que se perdeu do ventrículo salazarista e agora só grunhe disparates. Pedro Nunes, empregado de Belmiro de Azevedo, faz pela vida no "Eixo do Mal" para compor a ração de dinheiro que, pelos vistos, no "Público" já está ao nível das rapariguinhas das caixas do supermercado Continente.

Aqueles quatro miseráveis mentais estão apostados em levar os abusos de liberdade de imprensa aos níveis mais aberrantes dos tempos em que a PIDE destruía a honra dos oposicionistas ao regime fascista no jornal "Diário da Manhã", uma espécie de "Eixo do Mal" mas um pouco mais civilizado.

Os idiotas úteis do "Eixo do Mal", no meio dos seus delírios, fizeram um apelo à intervenção do Governo Português em Angola, porque, disseram eles, Portugal tem muitas responsabilidades com o Povo Angolano. Esta gente parou no tempo. O poder de Portugal em Angola começou a ser contestado, de armas na mão, em 4 de Fevereiro de 1961. Em 11 de Novembro de 1975 expirou o poder colonial. Nenhuma quadrilha portuguesa ficou em Angola, fosse capitaneada por Mário Soares ou por um qualquer patrão da Comunicação Social. O império colonial acabou mesmo.

E os angolanos são senhores dos seus destinos. E porque são os angolanos que decidem do seu presente e do seu futuro é que a quadrilha de Mário Soares foi estrondosamente derrotada em Angola. Os governantes angolanos, ao longo de décadas, tiveram de dedicar larguíssimos recursos ao combate sem tréguas a Jonas Savimbi, o lugar-tenente da quadrilha soarista em Angola. Para liquidar esses salteadores, os angolanos deram tudo o que podiam. Mas hoje somos livres e senhores dos nossos destinos. É por isso que os derrotados, hoje, nos soltam os Bob Geldof, os idiotas úteis do “Eixo do Mal” e outros serventes menores que nem merecem que citemos os seus nomes.

Os angolanos hoje vivem com muitas dificuldades, é verdade. Foi preciso gastar biliões e biliões de dólares para desmantelar a quadrilha que em Angola operava ao serviço dos quadrilheiros que hoje nos soltam os cães do "Eixo do Mal" e outras vozes de outros donos. Mas se em Portugal alguns órgãos de Informação estão ao serviço das mais desvairadas quadrilhas, nós aqui vamos enfrentá-los. Por uma questão de decência e como forma de nos solidarizarmos com o Povo Português, que merece uma imprensa livre e responsável. E se o regabofe continua, se calhar um dia destes publicamos as listas com os nomes dos quadrilheiros portugueses que foram capturadas no bunker de Jonas Savimbi no Andulo. Basta de abusos e insultos!

domingo, maio 18, 2008

A política de Norton de Matos para Angola

As Edições MinervaCoimbra promoveram em Lisboa o lançamento do livro "A política de Norton de Matos para Angola 1912-1915", da autoria de Maria Alexandre Dáskalos. A obra foi apresentada pelo historiador Armando Malheiro da Silva, para quem a autora tem uma "escrita empolgada e desenvolta" e cujo livro representa "um contributo para as historiografias colonial portuguesa e sobre Angola".

Estudar Norton de Matos — Governador-Geral de Angola entre 1912 e 1914 — constitui também "uma incursão pela 'tarefa ingente' de pensar e perspectivar a Angola de hoje (independente desde 1975 e a viver, agora, o rescaldo superador de uma guerra fraticida, longa e apocalíptica), recuando no tempo o necessário para se compreender a dinâmica e os contornos complexos do processo histórico angolano moderno, balizado entre o final da Monarquia Constitucional e o eclodir da guerra colonial em 1961", refere o historiador.

Tal como confirma a análise de Maria Alexandre Dáskalos, também Armando Malheiro da Silva admite pensar da obra e acção do general em prol de um colonialismo perpetuador. "A concepção colonial de Norton de Matos, fruto de uma época e de uma mentalidade, baseou-se utopicamente na idealização do papel de Portugal como potência civilizadora com vocação e destino especiais, ditados pelo legado da ínclita geração e pelo 'caso brasileiro' no modo de relacionar-se com diferentes povos e culturas", refere.

"Uma concepção de colonialismo nacionalista e moderno capaz de articular vários matizes diferentes como o socialismo utópico, o eurocentrismo antropológico, o demoliberalismo político, o humanismo maçónico e o capitalismo de caris keyneseano avant la lettre", acrescenta ainda o apresentador da obra "A política de Norton de Matos para Angola 1912-1915".

Maria Alexandre Dáskalos, por seu turno, considera que o trabalho sobre a política de Norton de Matos para o primeiro período de governação coloca várias questões a nível da História. Desde logo uma questão de partilha. “A história colonial faz parte, neste caso, da História de Portugal pois é o estudo do paradigma de uma figura de excepção da História contemporânea portuguesa”, afirma.

Uma segunda questão “é ser uma história conjuntural quando muitos académicos desta área defendem a longa duração pelas características das chamadas sociedades frias africanas e pelo carácter da presença portuguesa no império africano até ao Ultimato”, acrescenta a autora.

“Ao entender que esta história sobre um curto período de tempo merecia um estudo aprofundado foi porque entre 1912 e 1915 Norton de Matos, ainda que dando continuidade a políticas herdadas da monarquia liberal, lançava as bases da Angola da modernidade que sobreviveu mesmo depois da independência”, refere Maria Alexandre Dáskalos.

A historiadora, que pretende continuar com actual investigação com vista a um trabalho mais aprofundado, recordou ainda que ao período analisado neste seu livro estão ligadas várias polémicas. Uma, que se pretende esclarecer na obra, “é que a colonização de base não era de degredados mas sim de emigrantes pobres”. Outra “é que no primeiro mandato, contrariando outros estudos, podemos afirmar que houve uma aliança entre os angolenses e Norton de Matos”.

Maria Alexandre Dáskalos nasceu no Huambo (Angola) em 1957. Integrou a Comissão Nacional de Dinamização de Cooperativas (Gabinete do Primeiro-Ministro), em Angola, em 1975-1976. Fez parte da Direcção Nacional de Formação de Quadros no Ministério da Agricultura e foi funcionária do Departamento para o Desenvolvimento Industrial das Nações Unidas em Luanda (1982-1985). Foi directora da empresa de formação informática Datangol (1988-1991). De 1979 a 1981 frequentou o curso de História na Universidade Agostinho Neto, tendo-se aí iniciado nos estudos africanos, particularmente na história de Angola. Ainda em 1911 saiu a sua primeira obra como poetisa.

Em 1992 radicou-se em Portugal. Desde 1996 é comentadora de actualidade política na RDP África. Em 2000 licenciou-se em História e em 2005 obteve o grau de mestre em História dos séculos XIX e XX, pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Actualmente é doutoranda naquela instituição, onde também é investigadora, no Instituto de História Contemporânea.

Dedicando-se à História angolana colonial, colaborou em vários periódicos, nomeadamente nas revistas Angolê e Ler História.

quarta-feira, maio 14, 2008

Gostava de ter sido eu a escrever este artigo!


Errare Humanum Est…


Faz hoje anos que a Virgem Maria, a mãe de Deus, apareceu pela primeira vez em Fátima a três crianças para transmitir uma mensagem aos Humanos.
Andava preocupada com a gente, coitada.

De início a mensagem foi considerada um segredo divino tal era o seu significado simbólico e a sua enorme relevância para a História da Humanidade.
Só foi conhecida aos bochechos e depois de cuidadosamente dividida em três partes.

Ora, a mensagem da mãe de Deus era de tal forma importante que a sua última parte só foi conhecida meio século depois de nos ter sido transmitida. Era uma previsão de que um gajo vestido de branco ia sofrer um atentado.
Foi pena que não tivesse sido divulgada mais cedo, esta previsão.

É que quando os prognósticos são feitos no fim do jogo perdem toda a piada, não é?...

Mas na primeira parte a Senhora «mais brilhante que o Sol» disse de facto uma coisa de particular importância para a Humanidade: disse que devíamos rezar muito a Deus.
Ao que parece, Deus gosta muito que lhe rezem. Faz-lhe bem ao ego, dizem.

E fez bem a Virgem: porque se tem esperado mais 90 anos que o seu filho desse o recado directamente à Alexandra Solnado, vejam só a quantidade de rezas que Deus tinha perdido durante esse tempo todo.

Mas a especialidade da Virgem Santíssima era de facto a futurologia.
Pelos vistos a capacidade de adivinhação deve ser um dom especial reservado por Deus às mulheres «puríssimas», que são aquelas cujo canal vaginal só funciona no sentido catolicamente correcto, que é o sentido descendente, e que nunca foi conspurcada por essa coisa suja, horrível e pecaminosa chamada sexo.

Foi assim que vinda dos Céus, onde se encontra de corpo e alma, esta anorgásmica mãe, provavelmente com muito pouco que fazer, resolveu vir ao nosso planeta dizer-nos que a Guerra acabava nesse ano de 1917 e que os soldados portugueses estariam de volta ao solo pátrio já pelo Natal.

O pior de tudo foi que a I Guerra Mundial, a tal guerra de 1914-18 acabou, tal como o próprio nome indica... no ano de 1918.
Então não querem lá ver que a mãe de Deus se enganou, coitadita?

Ou seja:
Quer isto dizer que nesta insigne e extraordinária mensagem transmitida aos Homens a mãe de Deus numa parte fez um prognóstico no fim do jogo, noutra disse uma banalidade e na terceira, ó Céus... enganou-se!

É pois para honrar esta extraordinária mensagem que centenas de milhar de pessoas se deslocam todos os anos a Fátima para adorar e rezar à Virgem Maria e para comemorar e celebrar a extrema razoabilidade e a lucidez de tudo isto.

Dizem também que a religião católica é monoteísta...

domingo, maio 04, 2008

Os bravos do pelotão ? (www.portugalclub.org )



General Silva Cardoso e Coronel Amaro Bernardo

P: Com a admiração que tinha pelo Almirante Rosa Coutinho, apenas terá ficado esclarecido sobre as suas intenções, lá para Outubro ou Novembro de 1974, depois da sua actuação em benefício do MPLA...

R: De facto, quando ocorreram certos factos, como as prisões de vários oficiais e a ordem para se atacar a sede da FNLA e que o Altino Magalhães não cumpriu, após ouvir a opinião do Coronel Correia Dinis, dos Comandos, foi, com uma certa desilusão, que comecei a ver, no Rosa Coutinho, um homem diferente, reconhecendo a razão dos que tanto o atacavam.

No caso do ataque à sede da FNLA, em Luanda, ele sabia que eu estava em Kinshasa, com o Mobutu e o Holden Roberto. Tinha viajado num avião da FAP e eles disseram, para não reter o aparelho, que se encarregariam, depois, do meu regresso a Luanda. Ingenuamente, concordei, ficando nas suas mãos. Nessa mesma noite, a delegação da FNLA, em Luanda, fez um comunicado, em que desfaziam o Rosa Coutinho e a administração portuguesa, pelas suas intenções de entregar Angola ao MPLA. A reacção do almirante foi de querer rechaçar a FNLA em Luanda, ocupando, pela força, a sua delegação. Ignorou que eu estava em poder da FNLA e estes retiveram-me em Kinshasa, até saberem o que iria suceder na capital angolana. Só quando o Altino Magalhães, depois de falar com o Coronel Dinis, se negou a executar a ordem, é que ele recuou. Foi, nessa altura, que o General Altino deu aquela resposta: Não cumpro a ordem e agora o problema é do senhor! Então, conferenciou com o seu Estado Maior pessoal e retirou a ordem. Se esta tem sido cumprida, não sei se estaria aqui, hoje, para contar este episódio, em que o amor-próprio se pode sobrepor, talvez, à vida de um camarada.

P: Um aspecto que Pezarat Correia refere no seu livro A Descolonização de Angola foi o sucedido com o Coronel Alcino Roque. Este era um militar com prestígio em Angola e aquele oficial refere que o Brigadeiro Silva Cardoso se lhe dirigiu, dizendo, com triunfalismo, que já tinha substituído o Roque no gabinete do MFA. Isto é verdade?

R: É completamente falso. O Roque saiu por sua iniciativa e por livre vontade. Sou seu amigo pessoal e tenho por ele uma grande admiração. Conversámos longamente sobre o assunto e compreendi a sua decisão. Afinal, durante catorze anos dera o seu melhor a uma causa em que acreditava, como tantos outros e, de repente, sentiu-se como que traído, não podendo continuar a destruir o seu sonho. Saiu porque quis e não por qualquer pressão que eu tenha exercido.


A Revolta de Cabinda


P: Pode descrever o sucedido no Sector de Cabinda, na altura comandado pelo então Brigadeiro Themudo Barata ?

R: Isso foi tudo muito complexo. O que ocorreu poderá inserir-se numa tentativa de reabilitar as FAPLA, as forças militares do MPLA. Como já referi, este tinha sido militarmente derrotado. Eu estava muito bem informado, pois tinha saído de Angola, em Setembro de 1973 e, como o responsável pelas informações da Zona Militar Leste(2), tinha referido, nessa altura e naquela área, apenas existiam umas escassas duas dezenas de guerrilheiros armados, dispersos por aquela imensidão, sem comando e em retirada(3).

Na 1.ª Região Político-Militar, perto de Luanda, que foi sempre o Quartel General do MPLA, na noite de 25 de Abril, estava, no Quijoão, uma pequena equipa das nossas Forças Armadas, que se tinha deslocado numa simples viatura ligeira e pernoitava numa das fazendas abandonadas existentes na área. A razão da sua deslocação era proceder à auscultação das populações locais sobre as suas carências mais urgentes, a fim de serem convenientemente apoiadas. Isto só era possível, porque não existia, na zona, o mais pequeno sinal de resistência do MPLA.

Além disso, apenas havia um pequeno grupo armado, no Congo Brazaville, junto à fronteira de Cabinda, e que constituía, na prática, todo o potencial militar do MPLA, aquando do 25 de Abril.

Segundo o acordo de cessar-fogo, as forças do MPLA, como as dos outros movimentos, deviam ficar no local onde se encontravam na altura, até ao dia da independência. Então, o MPLA, que tinha sido totalmente batido no terreno, necessitava de ser reabilitado...

P: Plano esse fomentado por Rosa Coutinho e Pezarat Correia...

R: Sim. E executado em estreita colaboração com os responsáveis do MPLA. Como é sabido, as populações africanas, levadas por um forte sentido de defesa, aderem à força, como forma de protecção. Foi assim que elas vieram até nós. Conquistámos o povo de Angola, porque eles aderiram à nossa força. A tentativa ou a necessidade de reabilitar as FAPLA, inseria-se neste estado de espírito ou simples sobrevivência das populações.

Então, houve uma tentativa do sr. Ndozi, comandante daquele grupo armado do MPLA, no Congo, de se instalar na cidade de Cabinda. Aliás, já tinha tentado, por várias vezes, junto do Brigadeiro Themudo Barata, que fosse autorizado a instalar a sua força, em Cabinda.

P: Mas havia algum acordo anterior ?

R: Havia o acordo do cessar-fogo, que fora feito, (4) tendo ficado estipulado, como, aliás, com todos os outros movimentos, de que as forças militares ficariam onde se encontravam, à data da assinatura do acordo e até à independência, como referi. Diga-se a verdade, que ninguém cumpriu.

P: O que aconteceu depois?

R: Quando aquele chefe do MPLA pressionou o Brigadeiro Themudo Barata, este pôs o problema ao Rosa Coutinho, tendo o Presidente da Junta Governativa sugerido para ele dar um jeito. Então, o Comandante do Sector de Cabinda disse que só acediria ao pedido do Ndozi, com uma ordem, por escrito, do Comandante-Chefe, que não teve lugar.

Aquele indivíduo desapareceu de Cabinda, constando-se que seguira secretamente para Luanda, onde permaneceu quatro ou cinco dias, durante os quais, com a conivência do Rosa Coutinho e elementos da Coordenadora do MFA, cozinharam o plano para conseguirem o fim em vista.

O Ndozi voltou para Cabinda e, no dia seguinte, ocorreu aquela invasão da cidade, com a colaboração de alguns elementos das nossas tropas.(5) Lembro-me de um Capitão Faria, que liderou o pessoal militar português. Este oficial, conjuntamente com pessoal do MPLA, prendeu todos os oficiais do Comando do Sector, cerca de catorze, incluindo o Comandante, Brigadeiro Themudo Barata. Também fazia parte, desse Comando, o Hermínio Martinho, entidade bem conhecida nos meios políticos.

A Junta teve conhecimento desta situação porque, entretanto, foram cortadas todas as comunicações com Cabinda, restando, apenas, as do Comando Naval com a Capitania do porto local. O Almirante Rosa Coutinho deslocou-se pessoalmente a esse Comando, de Luanda, para contactar com os revoltosos e, no regresso, informou a Junta da situação e que eles apenas aceitavam dialogar com o Presidente da República.

Não compreendi aquela posição, demasiado ultrajante para as nossas forças e, muito menos, a aparente aceitação por alguns membros da Junta, em especial, o seu Presidente. Nós, que detínhamos o poder em Angola, ficarmos de braços cruzados perante esta abominável afronta às Forças Armadas Portuguesas, era absolutamente impensável e insustentável.

Depois de ouvir toda a discussão gerada em torno do problema, sem que se tivesse chegado a qualquer conclusão ou linha de acção para resolver a inqualificável situação, informei da minha disponibilidade para me deslocar, de imediato, a Cabinda e acabar com aquela vergonha. Olharam-me com espanto e disseram mesmo que eu era louco. Louco ou não, estava determinado e apenas pedi que não dissessem nada para lá, sobre a minha deslocação, a fim de ter a pista desimpedida e poder aterrar em segurança.

P: Foi sozinho ?

R: Não tinha qualquer intenção de levar fosse quem fosse, para além dos restantes tripulantes do avião. Porém, à última hora, decidiram que dois elementos da Coordenadora do MFA, o Major Pezarat Correia e o 1.º Tenente Soares Rodrigues, me acompanhariam. Não pus objecções e, cerca de duas a três horas depois, aterrámos em Cabinda.

Pedi ao alferes da Força Aérea, responsável pelo aerodrómo, que me arranjasse um jeep com condutor, para me levar para a cidade, tendo ele retorquido que era impossível, visto a estrada estar com inúmeras barragens, feitas por guerrilheiros do MPLA. Não dei importância às indicações deste militar e decidi viajar desarmado, acompanhado pelos outros dois oficiais, que não tiveram a mínima interferência. Passado algum tempo, uma patrulha, com elementos do MPLA armados até aos dentes, mandou-nos parar e disseram algo que não percebi. Retorqui, em tom enérgico, que era oficial da Força Aérea e membro da Junta Governativa e me dirigia para a cidade. Não houve qualquer reacção e a estrada foi desobstruída, o mesmo acontecendo uns quilómetros, mais à frente. Sem outros incidentes de relevo, acabámos por chegar junto do edifício, em cujo 1.º andar, funcionava o Comando do Sector.

O panorama era desolador: soldados portugueses sentados por toda a parte, ou vagueando com ar apático pelo largo, pareciam estar à margem de tudo quanto ali ocorria, enquanto guerrilheiros do MPLA, bem armados, se dispunham em frente do edifício e ao longo da escadaria, que conduzia ao primeiro andar. Sem hesitações, subi as escadas, não tendo havido a mínima obstrução. No topo destas, apareceu o Capitão Faria, a quem perguntei: Onde está o vosso Comandante, Brigadeiro Themudo Barata? Resposta dele: Está ali numa sala, guardado por homens do MPLA armados. Tive uma breve conversa com este oficial e dei ordens para todos os militares do MPLA, dentro e fora do edifício, desaparecessem imediatamente. A ordem foi cumprida de imediato e eu entrei na pequena sala onde se amontoavam os nossos camaradas que, naturalmente, saíram em total liberdade.

Depois, decorreram uma série de reuniões, tendo-se chegado à conclusão de que não havia condições para estes oficiais continuarem a exercer funções de comando, em Cabinda. Assim, tinha o seu epílogo o estratagema idealizado para possibilitar a reabilitação das FAPLA, que não mais saíram da cidade, porque o novo comandante de Sector, Coronel Cardoso Fontão, colaborou com o Presidente da Junta e seus correlegionários.

P: Nessa altura não houve uma actuação do Capitão Teixeira Gil, dos Comandos, com uma companhia ?

R: Não houve qualquer intervenção de Comandos, em Cabinda. Ainda nessa noite, partimos para Luanda com o apoio de um avião Nord Atlas, porquanto não era possível trazê-los todos, no PV-2, que eu tinha utilizado.

P: O novo comandante de Sector era, também, do MFA local.

R: Não me recordo. Apenas não tenho dúvidas de que todos estavam em sintonia ...

P: Soube algo sobre a conversa do General Spínola com o Presidente Mobutu do Zaire, na Ilha do Sal ?

R: Recordo o encontro, mas não tenho qualquer ideia do teor das conversações que tiveram lugar.



Negociando o cessar-fogo com a FNLA


P: Ainda em 1974, chegou a ter contactos com os países limítrofes?

R: Estive, por três vezes, em Kinshasa, para encontros ao mais alto nível. Na primeira, acompanhado pelo então Major Barata, fui encontrar-me com o Holden Roberto e o Jonhy Eduardo, no Palácio de Mobutu. Mal recebidos, após uma viagem bastante atribulada, esse deslocamento acabou por ser positivo, depois de ter posto, de uma forma bem clara, as nossas intenções sobre o processo de descolonização de Angola. Também tive vários contactos com o Savimbi, nas matas do Leste de Angola e no Zaire. Devo salientar que nunca me foi facilitado qualquer encontro com o Agostinho Neto.

P: Qual era a opinião do Holden Roberto sobre as vossas propostas?

R: Ele estava confiante. Mas tudo isto partia de uma base errada, pois, pelo que observava diariamente no terreno, o processo não parecia ser viável. Logo que foi assinado o cessar-fogo com os três movimentos, passei a convidar, como membro da Junta, os responsáveis das delegações dos movimentos para almoços informais, na Messe da Força Aérea. Através destes contactos, passei a ter uma ideia mais clara das suas intenções, algumas bastantes preocupantes.

P: Quando assinaram o cessar-fogo, entraram em Luanda ...

R: Efectivamente, cada um dos movimentos estabeleceu a sua delegação, em Luanda, dispondo de forças de segurança próprias, que nunca deixaram de crescer duma forma incontrolável e que acabariam por estar na base dos violentos confrontos armados, que tiveram lugar na cidade e nos arredores.

P: Dos contactos privados com os responsáveis dos movimentos o que é que apurou, em concreto ?

P: Da UNITA conheci um jovem (22 anos) Wilson dos Santos, que se fazia acompanhar pelo Capitão Sabino, sendo, depois, um elemento importante em toda aquela problemática, pelas relações fáceis que tinha com os outros dois movimentos e estar aberto a todas as sugestões para uma transição pacífica para a independência. Algo imaturo e desconhecedor da realidade angolana, era bem intencionado.

Da FNLA contactava com o Vaal Neto e o Barreiros, Chefe do Estado Maior do ELNA (Forças Armadas da FNLA), em Luanda, que se mostraram prontos a colaborar, mas lembrando, sempre, a sua acção durante a guerra e o seu actual poderio militar. O Comandante Barreiros, que seria um mau soldado no Exército, num determinado dia e já com uns copos, dizia-me: O Barreiros, em menos de um ano, também será general e estará na Fortaleza de Luanda, como Comandante-Chefe das Forças Armadas Angolanas. Perante tal afirmação, era mais do que evidente que a FNLA se preparava para tomar o poder pela força, contando, para tal, com o apoio do Zaire, que também não escondiam.

Do MPLA, tive, como interlocutores, Lúcio Lara e Lopo do Nascimento, que sempre se mostraram bastante reservados, não revelando qualquer linha de acção, mas preferindo conhecer as nossas intenções. Acabei por me aperceber da estreita colaboração que havia entre este movimento e o MFA e da grande aversão que sentiam em relação à FNLA, sendo impensável qualquer espécie de entendimento entre ambos, pelo que a luta armada pelo poder, seria inevitável.



A FRA e as tropelias de Rosa Coutinho


P: Desculpe, mas gostava que apreciasse um outro aspecto do sucedido, ainda em 1974. Aqueles brancos, que lá se encontravam, envolveram-se em certos movimentos, como a FRA. Qual foi a actuação desta Frente ?

R: Não chegou a ter actuação significativa e credível. Foram criados imensos movimentos, em especial no papel, houve imensas intenções... e também o descrédito nas nossas instituições, já que os brancos foram completamente ignorados. Eles, que tinham feito Angola e dado o seu melhor àquela terra, ficaram marginalizados e algumas vezes sujeitos a violências físicas e morais.

P: Principalmente depois da chegada de Rosa Coutinho a Luanda ...

R: Antes dessa altura, pouco ou nada de significativo aconteceu nesse campo. A intenção de entregar Angola ao MPLA, condicionou todo o processo aos interesses inerentes e neutralizou tudo o que pudesse afectar este propósito, por detrás do qual, estava a União Soviética.

P: Antes disse que a URSS tinha deixado de apoiar o MPLA...

R: O apoio, nestas condições, tinha uma outra amplitude e incluía vectores que, durante a guerra, não poderiam ser considerados, tal como a estreita colaboração do MFA.

P: Teve conhecimento de que chegou a haver entrega de brancos ao MPLA e encarcerados nas suas prisões ?

R: Sim. Prisões havia todos os dias, a todas as horas. Brancos, pretos, mestiços...

P: Também feitas por fuzileiros portugueses...como foi o caso do marido de uma senhora grávida, entregue nos cárceres do MPLA, que o General Altino Magalhães impôs, ao Rosa Coutinho, a sua libertação e, dias depois, apareceu nu na estrada do aeroporto...(6)

R: Lembro-me perfeitamente disso. Havia prisões arbitrárias e quase todos os dias desapareciam pessoas.

P: Havia indivíduos que nunca mais apareciam ?

R: Claro. Incluindo brancos. Quem fazia isso com mais frequência era o MPLA, embora a FNLA e até a UNITA não estejam isentas de culpas nesse campo.

P: As entregas de presos efectuadas por fuzileiros e marinheiros, ligados ao Rosa Coutinho, eram feitas ao MPLA ?

R: Não tenho essa ideia, pelo menos numa escala significativa. Pode ter havido um caso ou outro, mas não era a norma. Aliás, eram casos sempre conduzidos nos chamados segredos dos Deuses.

Quando ocorriam incidentes, de certa envergadura, procurava-se resolver a questão com as delegações dos três movimentos, que eram chamadas ao Palácio. Recordo perfeitamente, das precauções que havia a tomar, para que os representantes do MPLA e da FNLA não se encontrassem, nem nos bastidores. Sentia-se um ódio visceral entre aquelas duas organizações...

P: E antes das delegações estarem instaladas em Luanda ?

R: Elementos, ligados ao MPLA, eram uma presença quase sistemática. Sempre que aparecia algum mais importante, o Rosa Coutinho dizia: Esses vão aparecendo aos poucos. Dizia-o com uma grande satisfação, traduzindo o desejo de ver o MPLA com uma estrutura, cada vez mais forte. Quanto aos outros movimentos e nesse período, raramente apareciam ou eram solicitados a tal.

P: Nessa altura, ainda não havia cessar-fogo em Angola. Continuavam a decorrer operações de guerra, no terreno...



O cessar-fogo com o MPLA e o relançar da UNITA


R: O cessar-fogo, com a UNITA, foi assinado logo após o 25 de Abril, tendo-se deslocado, ao Leste, o Pezarat Correia e o Passos Ramos, hoje oficial general. Na altura, este movimento estava a ser objecto de acções militares, na minha opinião, erradamente, não tendo havido qualquer dificuldade em estabelecer este cessar-fogo.

Com o MPLA, a guerra tinha terminado havia algum tempo, por este movimento se ter totalmente desmembrado, política e militarmente.

Com a FNLA, prosseguia a intercepção das colunas e abastecimento aos seus santuários nos Dembos, que acabaram com todo o seu poder ou força, no interior de Angola. O cessar-fogo foi conseguido, após negociações conduzidas a partir de Nóqui e assinado no iate do Presidente Mobutu. A delegação portuguesa era presidida pelo General Fontes Pereira de Melo, que se deslocara de Lisboa, para o efeito, e incluía também o Leonel Cardoso e outros elementos das nossas Forças Armadas, não pertencentes à Coordenadora do MFA.(7)

P: E o cessar-fogo com o MPLA ?

R: Com esse movimento, não tinha, praticamente, quaisquer contactos. Tudo se passava com o Rosa Coutinho e com o seu staff pessoal, sendo acordado por eles, sem o meu conhecimento. Só recordo que, num determinado dia, cheguei ao aeroporto de Luanda, procedente de Lisboa e notei um movimento pouco habitual naquela área. Indagando da sua razão, informaram-me de que iriam partir três aviões para a zona libertada do Leste, a fim de se assinar o cessar-fogo com o MPLA. (8) Fiquei estupefacto e disse para comigo: Tudo foi planeado nas minhas costas e chamam zona libertada do Leste a uma área, onde o MPLA foi batido em toda a linha! E vamos sujeitar-nos a uma coisa destas ?. Nada havia a fazer e o plano, para entregar Angola ao MPLA, prosseguia os seus trâmites.

Ao acordo com a FNLA tinha-se dado uma grande projecção, por sua exigência ou de Mobutu. Agora, com o MPLA, o cenário era o mesmo, tendente a projectá-lo, tanto interna como externamente.

P: Qual foi a constituição da delegação desse último encontro ?

R: Não me recordo, mas com certeza, os elementos da Junta, em Luanda, a Coordenadora do MFA e toda a Comunicação Social. Como disse atrás, utilizaram-se três aviões. Diria, talvez, uma centena de pessoas.

P: Eles ainda tinham actuações no terreno, contra nós ?

R: Como já referi, o MPLA estava completamente desconjuntado.(9) Tudo aquilo foi montado apenas para efeitos propagandísticos, o que também tinha sido evidente com a FNLA mas, neste caso, por exigência deles. Como considerava a UNITA uma peça fundamental neste processo, pela necessidade de existir uma espécie de amortecedor das tensões, mais que claras, entre os outros movimentos, pensei em dar também uma certa projecção a esta organização, promovendo um encontro da Junta Governativa com o Savimbi, na presença da Comunicação Social. Considerava esta projecção essencial para o processo de descolonização de Angola.

P: Isso não passou de intenção ?

R: Não. Após uma longa conversa com o Rosa Coutinho, este acabou por aceitar encontrar-se com Savimbi, indicando, como únicos locais, o Luso ou a Base Aérea de Henrique de Carvalho. De imediato marquei um encontro com aquele líder guerrilheiro mas, na véspera, surgiram-me febres altas e o médico, Dr. Carlos Pinto, não autorizava a minha ida, no dia seguinte, até ao Leste. Após apresentar as razões imperiosas da minha deslocação, acedeu, com a condição de me acompanhar...

Como habitualmente, fomos de avião até ao Luso e, depois, de helicóptero para o meio da chana, donde, após cerca de dez minutos a pé, lá chegámos ao local acordado, bem no seio da mata... Pouco depois chegou o Savimbi, acompanhado de um conselheiro e, posto a par da razão do nosso encontro, disse-me ser impossível a realização dessa conversa já no próximo Domingo, visto estar a decorrer o congresso do partido, que se prolongava até essa data.

Retorqui-lhe, com firmeza: Tomar uma posição dessas, quando se pretende dar projecção ao seu movimento, que pouco significado tem e nem sequer é reconhecido pela OUA... Portanto, se quer fazer parte do processo, arranje as coisas como entender, mas tem que comparecer a este encontro!. Depois de muita conversa, acabou por concordar: Vou ter que obter autorização dos congressistas e não pode ser no Luso, nem em Henrique de Carvalho, mas, aqui, em Cangumbe. Era um simples apeadeiro do Caminho de Ferro, desactivado e com as casas em ruínas.

Lá convenci o Rosa Coutinho de que, por causa do congresso em curso, tínhamos de mudar de local e, no dia seguinte, seguimos todos para Cangumbe. (10) Tinha-se combinado o encontro para as 9H00. Eram 11H00, quando o Savimbi chegou com uma comitiva e uma escolta fortemente armada, pois tinham marchado a pé, desde as 01H00, altura em que conseguira convencer os seus congressistas. Foi a partir daí que, em termos de opinião pública, a UNITA se projectou e ganhou dimensão interna e externa.

P: Existe uma teoria, abordada em alguns livros, de que o General Spínola pretendia demitir o Rosa Coutinho e substituí-lo por Altino Magalhães, no 28 de Setembro. Qual é o seu comentário ?

R: Não tem o mínimo fundamento. Até o General Spínola teria consciência de que, naquela altura, era impossível destituir o Rosa Coutinho, não só porque tinha o apoio de todo o MFA mas, também, porque a missão que o levara a Angola, ainda não tinha sido cumprida.


Manipulação dos catangueses e perseguições do MFA


P: Considera que tenha havido uma tentativa do Coronel Costa Campos de aliciar os catangueses ?

R: Não tenho qualquer ideia de que tal tenha ocorrido. Houve muita coisa, pouco clara, em torno dos catangueses, mas essa não me constou.

P: Teve conhecimento dos mandados de captura contra o secretário geral do PDCA, Dr. Ferronha e do director do Província de Angola, Dr. Rui de Freitas ?

R: Houve esses e muitos outros mandados de captura, determinados por conjunturas não devidamente esclarecidas e cozinhadas pelo Presidente da Junta, MFA e, quase certo, o MPLA. Qualquer indício de actividade, que se pudesse opor ou dificultar a estratégia delineada, era, desta forma, neutralizada. O mesmo se viria a passar com os próprios militares.

P: Uma questão que deve ter abordado com Mobutu, nas suas deslocações a Kinshasa, foi a problemática dos catangueses...

R: Essa era uma das grandes preocupações e, daí, a sua intenção de procurar pôr, à frente de Angola, a FNLA e, assim, garantir a sua neutralização. Com a finalidade de o tranquilizar fui a Kinshasa, levando como intérprete o Dr. Jorge Campinos, tendo sido dadas garantias de que, enquanto vigorasse a admnistração portuguesa, os catangueses jamais intentariam qualquer acção contra o Zaire.

P: No pós 25 de Abril, qual foi o procedimento dos catangueses ?

R: Ficaram completamente desorientados. Como sabe, eles tinham combatido ao nosso lado, durante a guerra, dita de libertação de Angola. Nestas condições, a sua situação era precária e, dado o seu enorme potencial de combate, eram objecto do namoro dos três movimentos.

P: Terá havido uma jogada para os atrair ao MPLA, através de um Capitão Figueiredo?

R: Sem qualquer dúvida, embora tudo se passasse fora do âmbito da Junta ou, pelo menos, de alguns dos seus membros. Tentei, por vezes, saber o que estava a ocorrer, mas sem êxito.

P: Parece que tinha cobertura superior. Julgo que o General Ferreira de Macedo também estaria envolvido ... (11)

R: Nada me custa a aceitar o seu envolvimento, embora tudo tenha sido conduzido, dentro do maior secretismo. Penso que terá havido uma certa chantagem com os catangueses, pelo facto de terem combatido ao nosso lado, designados como fiéis.

P: Na altura da independência ainda estavam com o MPLA ?

R: Naturalmente, embora desconheça o que se passou, com o recrudescimento da UNITA e do controlo da área, onde estavam acantonados.

P: Havia ordens e ocorrências que não eram do seu conhecimento ?

R: Claramente. Dada a aceitação que tinha, no seio das Forças Armadas, o conhecimento de determinados factos podia conduzir à tomada de reacções, que prejudicariam o processo em curso, ao lado do MPLA. Assim aconteceu, quanto à intenção de prender três majores: Monteiro Pereira, Alves Ribeiro e um outro, também de Cavalaria. A questão, que levara a esta situação, foi rapidamente esclarecida pelo General Altino Magalhães, não chegando os oficiais em questão, diga-se, de grande prestígio, a serem presos.

No caso do Coronel Dinis dos Comandos e do Major Cerqueira Rocha, foi o próprio Rosa Coutinho a comunicar-me a sua intenção. Fiquei atónito e não podia crer em tal posição.

Era amigo do Rosa Coutinho. Durante algum tempo, fui mesmo o seu defensor, junto da população de Luanda, que o apelidava de Almirante Vermelho e não só. Quando me comunicou a sua intenção, olhei-o bem de frente e afirmei-lhe: Estás louco, agora percebo porque toda essa gente não te pode ver e tem razões para essa atitude. Só por cima de mim é que eles seguem presos para Lisboa.

Saí dali, telefonei ao Altino e contei-lhe o que se estava a tramar, sabendo, de antemão, que ele estava sempre ao meu lado. Como éramos cinco, na Junta, precisava também, do voto do Leonel Cardoso, para garantir a anulação da ordem.

P: Esse falhou ?

R: Éramos amigos desde os tempos da Escola Naval, onde foi meu instrutor de Educação Física. Após duas longas horas de conversa, saí, sem saber qual a posição que iria tomar durante a sessão da Junta, onde a questão iria ser abordada.

Voltei para o Palácio e perguntei ao Rosa Coutinho se ele conhecia, de facto, os camaradas em questão. Respondeu-me de uma forma bastante evasiva, o que me levou a concluir que o seu conhecimento era superficial.

Retorqui-lhe: Conheço-os bem e não tenho dúvidas de que são incapazes de se meter em traições, ou coisas que não sejam exclusivamente militares. São militares a sério. De maneira que, chama-os e conversa com eles. Não tomes decisões precipitadas e sem qualquer justificação de facto !

Algum tempo depois, mandou-os convocar e, durante cerca de uma hora, conversaram os três, sempre em movimento, dentro da sala, numa marcha, que os oficiais tinham dificuldades em acompanhar... A um canto, meio na penumbra, aguardava o veredicto final.

Depois de os ter despedido, sem ter revelado a verdadeira intenção da sua convocatória, virou-se e disse: Eles não vão presos e oxalá que nunca venha a arrepender-me ! Não fiquei completamente esclarecido sobre a sua posição neste caso. Aguardemos.

Assim, o Dinis e o Cerqueira Rocha continuaram em Angola nas mesmas funções, sem qualquer problema que pudesse afectar a sua missão.

P: Eram esses os procedimentos dos elementos do MFA de Angola...

R: Afastar todos aqueles que se opusessem à estratégia delineada, no sentido de equipar, armar e potenciar o MPLA, de modo a não ter problemas, aquando da tomada do poder.

A FNLA contava, por seu turno, com a ajuda de Mobutu, pois como constatei, posteriormente, as suas forças também tinham sido completamente desfeitas.

Era notória a preocupação de dar força e credibilidade ao MPLA e todos os meios eram utilizados.

P: E quanto àquele caso, em 23 de Outubro, de a FRA ir executar um golpe...

R: Tudo isso foi mais uma inventona, um fantasma. As acções eram desencadeadas, essencialmente, com base em informações, que recebiam do MPLA e apenas um pequeno grupo do MFA mexia os cordelinhos, no sentido de colmatar brechas no processo, que havia de levar este movimento ao poder.

P: Segundo o General António de Spínola, no seu livro País Sem Rumo seria um grupo de dez militares ...

R: Na minha opinião, os mais activistas eram os então Majores Pezarat Correia e José Emílio da Silva, o Capitão de Fragata Correia Jesuíno e o 1.º Tenente Soares Rodrigues. Não significa que não existissem outros, empenhados nesta manobra...

P: O que tem a referir sobre a demissão do General Altino Magalhães?

R: Sempre esteve ao meu lado, nas tomadas de posição e era difícil demitirem dois membros da Junta. No entanto, quando se recusou a cumprir a ordem do Rosa Coutinho, para destruir a sede da FNLA, iniciou-se o esquema para o afastarem e, naturalmente, com sucesso.

P: Qual foi o argumento utilizado ?

R: Não tenho qualquer ideia mas, naquela altura, tudo era permitido ao poder instituído.



Nos preparativos do Acordo do Alvor


P: Qual foi o seu papel na preparação do Acordo do Alvor ?

R: Fiquei extraordinariamente surpreendido, quando me disseram que iria fazer parte da delegação portuguesa. Tinham havido várias tentativas ou intenções do Rosa Coutinho, para reunir os três movimentos connosco, a fim de se estabelecer o plano, que haveria de conduzir Angola à independência total. Ainda hoje, recordo as suas palavras: Faça-se uma reunião nos Açores ou no Continente, ou em Angola, ou em qualquer outro lado, pois nós temos de mostrar ao mundo que estamos de acordo e que chegámos a uma plataforma de entendimento. É preciso fazer este teatro.

Pensei comigo, que tudo aquilo era loucura e não se podia, assim, brincar com o povo angolano. Parti para Kinshasa, acompanhado pelo Major Arnão Metelo, a fim de me encontrar com Holden Roberto, e convencê-lo da necessidade dos movimentos fazerem uma reunião prévia, para discutirem todo o contencioso existente entre eles e, quando conseguissem uma posição de entendimento comum, discutirem, então, com a parte portuguesa.

P: Tinha uma certa lógica e era mais coerente...

R: Anteriormente, em Luanda, tinha feito uma experiência interessante: juntar, à mesma mesa, os principais elementos das delegações dos movimentos. Tal intenção mereceu a hilaridade de Rosa Coutinho e seus pagens, pois era sabido que persistia um ódio visceral entre os homens do MPLA e da FNLA e que, nem nos bastidores, desejavam encontrar-se. (...)

Após ter recebido luz verde e com a preciosa ajuda de Wilson dos Santos, da UNITA, consegui fazê-lo, durante dois dias, onde estiveram Lúcio Lara e Lopo do Nascimento, do MPLA, Vaal Neto e Barreiros, da FNLA e Wilson Santos e Sabino, da UNITA.

P: Quais foram os problemas discutidos ?

R: Foram duas questões essenciais: um sistema de informações perfeitamente funcional, no pós-independência e a constituição de uma força militar, independente dos movimentos, com grande capacidade operacional.

No primeiro caso, ainda estiveram em funcionamento núcleos de recolha de notícias, que eram enviadas a órgãos constituídos por elementos dos três movimentos, onde se procedia à sua triagem, análise e difusão. Mas foi sol de pouca dura, por se verificar uma enorme parcialidade na recolha das notícias. Cada um só informava aquilo que lhe interessava e nem sempre correspondia aos factos.

Quanto à segunda questão, ficou acordado constituir uma companhia de pára-quedistas, com pessoal cedido pelos três movimentos. A preparação desta força foi iniciada, através da formação dos quadros, cujo lançamento teve honras de cerimónia oficial, onde me desloquei e falei sobre os objectivos que presidiam a esta acção, tal como da sua extraordinária importância para a Angola de amanhã. Também, neste campo e apesar do esforço realizado, a muito curto prazo, tudo se desfez pelo abandono dos elementos nomeados pelos movimentos, os quais, sem explicações, foram partindo, a pouco e pouco, até tudo ter terminado.

P: Foi com base nessa acção que o levaram para o Alvor...

R: Creio que sim. Foi considerado quase impossível juntar aquela gente e eu tinha-o conseguido, em circunstâncias bastante difíceis. Por isso e pela fácil ligação, que tinha com os homens dos três movimentos, acabei por ser nomeado Alto-Comissário.



Nomeação para Alto-Comissário de Angola


P: No entanto, no Alvor, o MPLA queria o Rosa Coutinho e a FNLA e a UNITA só desejavam o senhor para Alto-Comissário...

R: Sim. A FNLA e a UNITA afirmavam que eu seria a única pessoa capaz de conduzir o processo com isenção e, daí, a sua preferência. Como já referi, tinha relançado a posição da UNITA, com o encontro de Cangumbe. Igualmente, dado o fácil relacionamento mantido com os principais dirigentes da FNLA, pela frequência, com que me deslocara a Kinshasa, conduziram, inevitavelmente, a esta preferência, que ninguém estranhava.

Quanto ao MPLA, as minhas relações com Lúcio Lara, Lopo do Nascimento e, praticamente, todos os dirigentes deste movimento, presentes em Luanda, era bastante amistosas. Por isso, o General Costa Gomes abordou-me, ainda antes do Alvor, para o exercício dessas funções, tendo-lhe respondido: Nem pensar nisso. Tinha plena consciência que me iriam atribuir uma missão impossível.

Acrescentei: Já dei muito a Angola, tanto antes, como depois do 25 de Abril. Para que possa haver uma saída minimamente digna, eu sei, agora, que isso é impossível. O MPLA vai enveredar pela via da força, assim como a FNLA também está preparada para tomar o poder, pelo mesmo meio. Aquilo vai ser um inferno, uma grande tragédia...

P: Qual foi a reacção dele ?

R: Perguntou se eu estava doente ou cansado, tendo-lhe respondido afirmativamente e, sem mais conversas, o Alvor arrancou. Já perto do final, o Presidente da República deslocou-se ao Algarve, tendo voltado a pôr-me a questão do Alto-Comissário. Disse-lhe, depois de muito instado, saber que a FNLA e a UNITA me aceitavam. Se o Agostinho Neto me convidasse, ficaria.

Não sem surpresa, nessa mesma noite, tive um convite para jantar com este líder, no Hotel da Penina, onde me convidou para aquelas funções.

P: Ficou amarrado...

R: Nunca acreditei e fiquei mesmo amarrado.

Bastante tempo antes de sair de Angola para a conferência do Alvor, referi ao Rosa Coutinho, da necessidade de partir, o mais cedo possível, a fim da delegação portuguesa poder preparar um projecto para a fase subsequente da descolonização, que defendesse os interesses dos angolanos e dos próprios portugueses lá residentes. Retorquiu para não me preocupar, pois o pessoal, em Lisboa, estava a tratar do assunto.

P: Portugal constituía uma das partes...

R: Sem dúvida e devíamos ter o nosso próprio projecto. Na realidade, os dias foram passando e só na véspera, do início da reunião, já depois da meia-noite, fomos chamados pelo Melo Antunes, que se limitou a informar: Amanhã vamos discutir este papel. Era o que o MPLA tinha apresentado em Mombaça e fora aceite pelos outros movimentos, praticamente, sem discussão.

Tinha provocado a reunião de Mombaça, para evitar que o teatro, como pretendia o Rosa Coutinho, tivesse lugar, em qualquer local, o mais rapidamente possível.

Como referi, tinha ido a Kinshasa, onde me encontrei com o Holden Roberto e o seu Estado Maior. Falei-lhe da necessidade dos movimentos discutirem entre si o vasto contencioso existente, antes de qualquer reunião, ao mais alto nível ter lugar, e encontrarem uma plataforma de entendimento, para se poder chegar, com Portugal, a um acordo com bases sólidas.

Eventualmente, o Dr. Savimbi encontrava-se, também, em Kinshasa e não perdi a oportunidade de lhe apresentar a questão, com a qual concordou. Pretendi dar um salto até Brazaville, onde se encontrava o Dr. Agostinho Neto, mas o Savimbi disse não ser necessário porquanto, ele próprio trataria do assunto com o Presidente do MPLA. Adiantei quão importante seria a presença de Portugal, na reunião, que viessem a acordar, mesmo como simples observadores. O conhecimento que tínhamos da realidade angolana podia ser bastante conveniente. Anuiu, mas frisou que a nossa presença seria apenas como observadores, devendo eu ser incluído na delegação, assim como outro elemento, por mim indicado.

Depois de regressar a Luanda, elaborei um pequeno relatório, que o Arnão Metelo trouxe para Lisboa.

A reunião preparatória sempre teve lugar em Mombaça, onde apenas foi discutido o projecto apresentado pelo MPLA, que os outros aceitaram, praticamente sem discussão. A UNITA concordou nas suas linhas gerais, pois a questão das eleições estava contemplada e este ponto era importante para Savimbi. A FNLA tencionando tomar o poder pela força, não quis levantar problemas.

P: Chegou a ir a Mombaça ?

R: Não. O MFA indicou o Pezarat Correia e um outro elemento da Coordenadora, que não recordo. Eles rejeitaram, não estando, desta forma, Portugal representado.

Aliás, hoje estou convencido de que não havia qualquer interesse na nossa presença, nessa reunião, por ter fortes suspeitas de que o documento apresentado pelo MPLA foi cozinhado em estreita ligação com o MFA. Estava tudo em família !

P: E o texto que saiu no acordo ?

R: Foi o apresentado por Melo Antunes, com pequenas e insignificantes alterações, propostas pelos movimentos. Nos bastidores, ainda cheguei a aventar a hipótese de as Forças Armadas Portuguesas só deixarem o seu dispositivo, em Angola, depois de definidas ou concretizadas no terreno, as condições para procederem a eleições.

P: Esse ponto foi aceite ?

R: Nem tão pouco discutido, pois, desde logo, foi considerado inaceitável pelos movimentos, embora estivesse plenamente convicto de que, à partida, não se realizariam eleições, sem a participação activa do lado português. Nesta altura, recordei a conversa com o Chefe do Estado Maior do ELNA, havida meses antes: o problema de Angola apenas se resolve pela força e nós vamos ganhar.

Depois, quando cheguei a Luanda, para assumir as funções de Alto-Comissário e perguntei pelo Iko Carreira, disseram que estava na União Soviética a seleccionar o armamento, para equipar o MPLA, o qual chegou a Ponta Negra, a bordo de navios.



Desempenhando uma Missão Impossível


P: Também utilizavam a via aérea ?

R: Com certeza e até aconteceu estar um dia, no aeroporto, quando aterrou um avião procedente de Ponta Negra. O oficial encarregado da segurança, ao pretender saber qual o tipo de carga a bordo, foi informado tratar-se de fardamento e equipamentos. Quando mostrou interesse em revistar o avião, foi a isso impedido por elementos do MPLA e as suas suspeitas aumentaram. Aproveitando a minha presença no local, pôs-me a questão, tendo ordenado, de imediato, a verificação da carga.

Ao constatar-se ser esta, constituída por armamento, foi o mesmo apreendido e entregue à guarda do Batalhão de Pára-quedistas.

Posteriormente, fui com frequência, pressionado pelos elementos da Coordenadora do MFA para entregar o material ao MPLA. Sempre recusei, até que um dia, saturado e farto da conversa, anuí à entrega. Mas tive uma agradável surpresa: os Pára-quedistas, sob o comando do Ten-Coronel Gonçalves Ramos, Comandante do Batalhão de Pára-quedistas, recusaram-se a cumprir a ordem, alegando que, mais tarde, esse mesmo armamento poderia ser utilizado contra eles. Aqui está uma ordem, cujo não cumprimento, poderia merecer um louvor!!

P: Quando o Rosa Coutinho ainda estava em Angola, será verdade que ele apoiava da mesma forma e por igual, os três movimentos, em armas e dinheiro ?

R: Em relação ao dinheiro julgo que isso era um facto, pelo menos, em termos oficiais. Só que, nos bastidores, tudo era possível e o mais apoiado por todas as formas, como já referi, foi o MPLA.

P: Em algum momento pensou que a sua acção estava a prejudicar a evolução do processo concebido pelo MFA, no que se refere à descolonização de Angola?

R: Houve várias tentativas para me demitirem ou criarem as condições que levassem à minha demissão. Antes de assumir funções, tinha, naturalmente, concebido o meu Estado Maior pessoal. Mas, à minha chegada, deparei-me com uma Coordenadora do MFA, paredes meias com o meu Gabinete e idealizada pelo Pezarat Correia que, entretanto, regressara a Portugal. Esta Comissão tinha o engenho de controlar a minha actividade e ocupar todo o meu tempo, limitando a capacidade para tratar de outros assuntos, muito mais importantes e prioritários. Andava meio louco com aquela gente, que não me dava um minuto de descanso...



A neutralidade activa e os incidentes em Luanda


P: Houve ocasiões em que tentaram derrubá-lo ?

R: Creio que sim, mas entretanto os ânimos tinham sossegado, tendo sido definido o conceito de neutralidade activa, que ninguém sabia bem o que era. Pelo menos, eu nunca percebi... nem era para perceber. Seria para bater quando fosse preciso, ou só bater na FNLA e na UNITA, facilitando a vida ao MPLA ?

P: Acabou por se demitir em Julho ?

R: Sim. Entretanto, depois duma cena ocorrida nas comemorações do 25 de Abril e da referida neutralidade activa, tiveram lugar os grandes incidentes de Luanda: o confronto entre o MPLA e a FNLA. Aconteceu que o MPLA, desde o primeiro dia, após a minha chegada a Luanda, como Alto-Comissário ( e até já antes, quando saí de Angola para vir para o encontro do Alvor), passou a provocar a FNLA, duma forma quase directa e sistemática, no sentido de acicatar os ânimos e levá-los ao confronto armado. Era isso, exactamente, o que o MPLA pretendia, e neste campo, tudo era válido. Só importavam os fins. Os meios eram os necessários e mais adequados, independentemente das consequências. Prisões arbitrárias, mortes indiscriminadas, uma tremenda tragédia, impossível de descrever.

P: Tinha havido provocação do MPLA ?

R: Sim. Provocações, utilizando a rádio e os chamados atiradores furtivos, para criar tal insegurança que acabou, natural e logicamente, no confronto armado entre os dois movimentos.

P: O Savimbi estava em Luanda, nessa altura ?

R: Não. Mas tinha lá a sua delegação, à frente da qual se encontrava o Wilson dos Santos, um moço que, apesar dos seus 22 anos, mostrava uma grande maturidade e vontade de ajudar na solução dos conflitos. Após reuniões intermináveis, ia conseguindo umas tréguas sempre precárias, algumas vezes, mesmo antes de assinarmos o papel, com os acordos encontrados. Uma vez, após dois dias e uma noite consecutivos de diálogo, na altura das rubricas, recomeçou o rebentamento dos morteiros, disparados de forma indiscriminada. Houve, então, um homem extraordinário do MPLA, que me disse: Meu General, não vale a pena tentar levar isto através do diálogo e chegar a solução consensual. Não é possível.

P: Quem era esse indivíduo ?

R: O Jacob João, mais conhecido pelo Monstro Imortal. Um bom homem, excelente militar, que acabou por morrer, ou ter sido morto, pouco tempo depois de eu deixar as funções de Alto-Comissário ...

P: Naquelas depurações que eram habituais, neste tipo de organizações...

R: Talvez, embora não possa crer que o tenham eliminado, porquanto tinha um enorme prestígio, no seio das FAPLA.

P: Lembra-se de ter havido alguma revolta em Nova Lisboa ? Uma, em que terão chegado a queimar a Bandeira Portuguesa ?

R: Aconteceram bastantes incidentes, durante esse período, mas não me recordo de nenhum em que se tenha chegado a tal extremo. Posso dizer-lhe que a média de atitudes inconvenientes levadas a efeito pelos movimentos, atingiu uma média de sete por dia, alguns bastante preocupantes, como os que envolviam o desaparecimento ou assassínio, puro e simples de todo o tipo de pessoas.

P: Como conseguiu esses dados ?

R: Tínhamos um serviço de informações a funcionar, onde se fazia o registo de todos os incidentes cometidos pelos movimentos ou outras organizações. À data da minha partida, a situação era, sensivelmente, 800 atribuídos ao MPLA, 350 à FNLA e 180 á UNITA.

P: Alguma vez mandou actuar, pela força, contra tropas portuguesas, por actos de indisciplina ou rebelião ?

R: Julgo que, pelo menos uma vez, em Cabinda, no Belize, não me recordando dos pormenores de tal intervenção. Também tivemos outros problemas, de menor significado, tendo sido resolvidos dentro dos princípios que regem a disciplina militar e que, naquela situação, determinava que a bitola da pena a aplicar fosse, ou se aproximasse do limite máximo, previsto na lei. Foi, sem dúvida, um período difícil, mas quero afirmar que estou particularmente grato e mesmo honrado, por ter tido sob o meu comando homens, que nunca hesitaram em cumprir qualquer missão, independentemente dos riscos inerentes. E houve algumas baixas da nossa parte. Claro que houve excepções, despoletadas e alimentadas por elementos que apenas procuravam a desestabilização geral, essencial para, com maior facilidade, atingirem os seus objectivos pré-definidos.



A desafronta de Vila Alice


P: Pode descrever o sucedido naquele caso de Vila Alice, com o MPLA ?

R: Esse acontecimento, altamente lamentável, teve lugar em fins de Julho de 1975. Certo dia dia, já tarde, um jeep das nossas Forças Armadas, transportando um sargento e respectivo condutor, foi interceptado e mandado parar por uma patrulha do MPLA. Depois de identificados, foram autorizados a prosseguir mas, logo que a viatura se pôs em marcha, o sargento foi alvejado pelas costas, tendo ficado gravemente ferido.

P: Não houve mortos ?

R: Não. Tive conhecimento desta ocorrência, já bastante tarde, creio que depois da meia-noite. Reuni, de imediato, a Comissão Coordenadora e os Comandantes Militares. Perante a gravidade da situação, foi decidido exigir, ao MPLA, a entrega do autor do disparo cobarde e traiçoeiro, para ser julgado, de acordo com a legislação em vigor. Deixei bem claro que a entrega teria de se processar, a bem ou a mal, às primeiras horas da manhã seguinte.

P: A quem confiou a execução dessa missão ?

R: Ao Brigadeiro Heitor Almendra, Comandante do COPLAD, militar da minha inteira confiança e que gozava de grande prestígio, não só no seio das nossas Forças Armadas, como entre os militares dos movimentos. Foi-lhe conferida toda a liberdade de acção para o cumprimento da missão, usando os meios e as modalidades que julgasse mais adequadas.(12)

P: A Comissão Coordenadora concordou com essa acção ?

R: Nem abriram a boca. Compreende-se, num caso destes, em que os nossos militares foram alvejados pelas costas ... Alguém tinha a coragem de tomar uma atitude contra uma ordem destas ?

P: Qual foi a reacção do MPLA, a essa operação ?

R: Na altura, compreenderam mas, depois, vieram explorar o sucedido, como algo criminoso da minha parte.

P: Acusaram-no de ter dado a ordem de atirar sobre a sede do MPLA, em Vila Alice ?

R: Sim. Através da Comunicação Social e não só....



Uma demissão inevitável...



P: Qual foi a razão da sua demissão, em Julho de 1975 ?

R: Havia uma situação concreta, no terreno, bastante grave. A FNLA estava à entrada de Luanda e punha-se o problema de nós irmos ou não, ajudar o MPLA a travar a FNLA ou deixar que ambos resolvessem a questão. No Palácio reuni todos os comandos dos três Ramos, os elementos da Coordenadora, o Secretário Geral, etc., num total de 42 pessoas.

Descrevi a situação e, depois, um por um, todos se pronunciaram sobre o caso. Com excepção do Major Gomes de Abreu, todos os restantes foram de opinião que nos devíamos manter afastados daquele confronto. Praticamente, desde o primeiro dia, o Acordo do Alvor tinha sido sistematicamente violado, pelo que, um novo confronto entre os dois movimentos não seria novidade.

P: Qual foi a posição da Coordenadora do MFA ?

R: À excepção daquele oficial, todos os outros se manifestaram no mesmo sentido, pelo que foi extraordinariamente fácil tomar a decisão: a neutralidade, não sei se passiva, se activa. Só no caso do conflito alastrar para dentro da cidade, nessa altura, seríamos activos em defesa das populações. Recordo que a reunião terminou cerca das 23H00 e a decisão tinha sido tomada, praticamente, por unanimidade... Nessa mesma noite, dois elementos da Coordenadora viajaram para Lisboa. Não liguei ao caso, por se tratar de algo rotineiro.

No dia seguinte, recebi uma mensagem do Presidente da República, descrevendo, com grande pormenor, a situação vivida em Luanda, dizendo para se actuar segundo a posição, que o Major Abreu defendera. Isto é, o contrário do que tinha sido decidido, com a opinião unânime de todos os outros camaradas - devia apoiar o MPLA, no confronto com a FNLA !

Devo acrescentar que o referido major não tinha seguido para Lisboa. Não podia cumprir esta ordem. De imediato, telefonei ao Presidente da República e perguntei-lhe: O Meu General tem conhecimento desta mensagem ?. Obtive como resposta: Ah, isso foram os seus rapazes que “cozinharam”.... Voltei a insistir: Estou a perguntar-lhe se tem conhecimento do conteúdo da mensagem ? Como a resposta foi a mesma, disse-lhe: Pronto, estou esclarecido. Vou fazer as malas e seguir para Lisboa, cessando funções.

P: Qual foi a sua reacção ?

R: Não reagiu. Como também era militar, sabia perfeitamente que, depois de uma decisão tomada naquelas circunstâncias, era impossível alterar a posição e fazer o contrário.

P: Em relação aos movimentos, qual foi atitude que tomaram ?

R: Sucedeu um caso interessante. Apesar de toda a guerra, que o MPLA me moveu, houve algo, neste final, que me tocou. A decisão de cessar funções apenas foi comunicada aos comandantes dos Ramos, em Luanda, Comissão Coordenadora e ao Secretário Geral.

Nesse mesmo dia, deslocaram-se ao Palácio, para apresentarem os seus cumprimentos de despedida duas entidades do MPLA: O Lopo de Nascimento, Primeiro Ministro, da parte daquele movimento, que me disse reconhecer o enorme esforço que tinha desenvolvido duma forma tão imparcial que, diria mesmo, quase obsessiva, embora, publicamente, pudesse ser acusado do contrário, expressando a sua gratidão; o outro, o Lúcio Lara, disse vir agradecer tudo o que tinha tentado fazer por Angola, reconhecia a minha honestidade e o enorme desejo de ver aquela terra o melhor possível, frisando que, se não tinha resultado não fora por culpa minha... Isto, poucos dias depois de se ter desenrolado a acção militar na Vila Alice!

P: E os líderes dos outros movimentos ?

R: Nem sequer sabiam da minha decisão. O MPLA conhecia-a através da Comissão Coordenadora do MFA, naturalmente !

P: Quer dizer que essa ligação funcionou sempre ?

R: Claro. E eu fiquei espantado. O Lúcio Lara era um homem extraordinariamente racista, que odiava o branco, talvez por ser mulato e por esse facto lhe causar dificuldades dentro do próprio MPLA. Um dia, convidei-o para jantar, no Palácio e não se cansou de focar os crimes que tínhamos cometido durante a guerra, como a destruição das lavras, que constituíam a base da sua alimentação, em operações, etc. Pois, foi este um dos homens que teve a amabilidade de ir, ao Palácio, para se despedir, agradecer e elogiar a minha acção.(13)

P: Em 1978, Rosa Coutinho em declarações públicas (“O Jornal” de 1-12-1988 ) referiu que haveria uma conspiração encabeçada por Jorge Jardim, com um plano de levantamento (a iniciar na Beira) em 16 de Setembro, em Moçambique e entre 21 e 24 do mesmo mês, em Angola, estendendo-se, depois, ao Continente, em ligação com a programada manifestação da maioria silenciosa (28 de Setembro). Que comentário lhe merecem estas afirmações?

R: Isso são das tais cabalas, que não cabem na cabeça de ninguém. Não existia qualquer interligação entre os três casos. Ninguém dispunha de capacidade para levar a efeito tal manobra. O MFA controlava tudo, incluindo as próprias Forças Armadas.



Comentando a descolonização de Angola


P: Para finalizar, gostaria de perguntar o que pensa da descolonização em geral ou da dita descolonização possível ?

R: Julgo que vai sendo tempo para se começar a fazer o balanço duma época tão trágica da História Portuguesa. Nomeadamente porque muitos dos intervenientes estão ainda vivos e deverão testemunhar os factos que, realmente, escreverão sobre essa História. Se isso não se fizer agora, grande parte da Verdade perder-se-á e o trabalho dos historiadores vir a ser mais ingrato. Por isso, não fugi às suas perguntas e, nas respostas, fiz a minha apreciação de vários comportamentos. Agora, os visados que contestem, se desejarem que eu refresque mais a minha memória. Antes de ocorrer o 25 de Abril e já com Marcello Caetano no poder, surgiram indícios claros de que o problema da guerra colonial iria ser resolvido através de uma solução política. Entre esses indícios, poder-se-ão enumerar:

1. A vitória militar em Angola, com o potencial de combate da guerrilha praticamente reduzido a zero, o que reforçava a capacidade de Portugal, em qualquer solução política, que o Governo decidisse.

2. O livro Portugal e o Futuro do General Spínola era um alerta sério para se repensar a estratégia ultramarina.

3. O início de negociações oficiosas entre Portugal e o PAIGC, que tivera, lugar em Londres, sob o maior secretismo, conforme foi revelado pelo Dr. Rui Patrício, há dois anos, na televisão e confirmadas por elementos desse partido, presentes nas negociações.

4. Uma certa liberalização do regime vigente em Portugal, há mais de 40 anos, aparecendo na então Assembleia Nacional, um grupo de deputados, claramente em oposição à ditadura.

Outros sintomas poderiam ser indicados, alguns por mim próprio vividos, mas julgo que estes são suficientes para provar que tudo se encaminhava para uma solução política da questão dos territórios ultramarinos. Isto, apesar da euforia resultante da vitória militar em Angola.

Podemos imaginar, que tipo de solução política, o Governo do anterior regime, procuraria encontrar: pró-ocidental ou pró-soviética? Parece que ninguém tem dúvidas que acabaria por ser pró-ocidental, com todas as consequências, altamente negativas para a estratégia global do Leste.

Por isso, o Governo teria de agir, com rapidez, a coberto duma guerra que conduzisse a uma solução política a curto/médio prazo e a uma democratização, que se avizinhava. E em Portugal, havia já forças democráticas poderosas, que pretendiam uma solução deste tipo. Mas havia, também, as outras, que queriam arrastar as Províncias Ultramarinas para a órbita soviética, e essas, além de radicais, estavam organizadas para actuar. Por isso, foram os principais agentes do 25 de Abril que, segundo as mesmas, era necessário fazer, não tanto pela democratização de Portugal, mas para impor o controlo do Sul de África pelo Urso Soviético (como Lenine preconizava), impedindo que a solução política do Ultramar fosse favorável ao Ocidente. O seu objectivo só não foi totalmente conseguido, porque se acelerava o desmoronamento do sistema comunista do bloco soviético...

Assim, a descolonização não foi a possível, mas a cuidadosamente gizada e planeada por forças internas (diminutas) e forças externas (as grandes impulsionadoras). Depois, para a execução do plano, não faltaram os actores: os esclarecidos, os oportunistas, os indiferentes, os coagidos, os revoltados, os ingénuos e, no final, os sacrificados, com o seu rol de misérias, dor e morte.

Repare-se quem, nesse período conturbado da vida nacional, pensou a sério e com realismo no enorme problema da descolonização. Uma impensável intranquilidade política, social, económica, etc., perfeita anarquia foi gerada e alimentada na então chamada Metrópole, como manobra de diversão, para ocupar as cabeças pensantes deste País e deixar correr a descolonização, segundo os desígnios e fins, até hoje ainda não totalmente revelados, em que os verdadeiros manobradores iam puxando os cordelinhos, segundo a sua vontade ou orientações recebidas... Uns poucos, mais com os pés na terra, tentaram lutar contra o fogo, mas foram neutralizados ou desacreditados.

A História far-se-á, sem vencidos nem vencedores, nesta triste batalha, da qual ficou, tão somente, a tragédia. É doloroso ver que, dos territórios mais ricos e prósperos de toda a África Negra, em poucos anos, caíram para o fundo da tabela das nações mais pobres do mundo, onde a fome era o maior flagelo.

Haver muitos responsáveis políticos de então, ainda hoje figuras de relevo, com grande peso na consciência porque, da sua acção, apenas resultou a miséria e a fome; outros que nada fizeram, a não ser autopromoverem-se, também não podem ter um sono tranquilo; aceitam tudo por ignorância ou simplesmente como uma fatalidade; outros, talvez um dia, cheguem a falar, se a velocidade infernal do correr do tempo, não lhes varrer a memória...



NOTAS:

(1) Entrevista ( 2.ª Parte) realizada em 7-2-1997, em Lisboa.

(2) Refere-se ao agora Major General Passos Ramos.

(3) Segundo outro oficial, a prestar serviço na área das informações, no Comando-Chefe de Angola, aquando do 25 de Abril, existiriam apenas 30 guerrilheiros armados, em todo o território angolano. Ver Manuel A. Bernardo. “Marcello e Spínola; A Ruptura; As Forças Armada e a Imprensa na Queda do Estado Novo 1973-1974”. Lisboa, Ed. Estampa, 1996, pp 75.

(4) Em 21-10-1974. Ver Boaventura de Sousa Santos, Maria Manuela Cruzeiro e Maria Natércia Coimbra. “O Pulsar da Revolução; Cronologia da Revolução de 25 de Abril (1973-1976)”. Lisboa, Ed. Afrontamento, 1997.

(5) Terá ocorrido em 2-11-1974. Ver Boaventura Sousa Santos (...). Ob. cit.

(6) Efectuado em 12-10-1974. Ver Boaventura Sousa Santos (...). Ob. cit.

(7) Efectuado em 21-10-1974, como já referido.

(8) De facto, desde Janeiro de 1973, que Daniel Chipenda se separara do MPLA (Revolta do Leste) e tinha ocorrido, entretanto, a designada “Revolta Activa” de Joaquim Pinto de Andrade. Foi tentada a unidade das três facções no Congresso de Lusaka, em Agosto de 1974, mas Agostinho Neto abandonou a sala, após a votação com uma dezena de votos a mais para Chipenda. Ver depoimento do Coronel Alcino Roque, neste trabalho.

No entanto, outra fonte considera apenas ter havido a diferença de um voto (165 contra 164 e 70 para a "Revolta Activa"). Ver João Paulo Guerra. “Descolonização; o Regresso das Caravelas”. Lisboa, Publicações D. Quixote, 1996, pp 158.

Deste modo, continuou o rompimento das três facções, tendo Daniel Chipenda ocupado quartéis no Leste, no pós-25 de Abril, com o acordo inicial das autoridades portuguesas e até aberto uma delegação em Luanda. Posteriormente viria a ligar-se à FNLA.

(10) Ter-se-á realizado em 28-10-1974. Ver João Paulo Guerra. Ob. cit. pp 164.

(11) Terá havido uma tentativa do MFA/Angola de desestabilização dos catangueses, para posterior controlo, que apenas seria do conhecimento dos então General Costa Gomes, Almirante Rosa Coutinho, Brigadeiro Ferreira de Macedo, Major Pezarat Correia e Capitão Figueiredo. (Fonte confidencial n.º 2).

(12) Foi executada em 27-7-1975. Ver Boaventura Sousa Santos (...). Ob. cit. e entrevista com o Major General Heitor Almendra, constante deste trabalho.

(13) O General Silva Cardoso, à chegada a Lisboa, em 4-8-1975, afirmava significativamente:

Trago, ainda nos ouvidos, os discursos demagógicos em que sistematicamente se afirma que tudo se faz pelo povo e para povo, quando no fim é o povo que sofre, é o povo que morre. Isto tudo devido a ambições desmedidas, que não conhecem meios e que sacrificam tudo para atingir os seus fins. Vim expressamente, como já disse, para falar com Sua Ex.ª o Presidente da República, que me confiou aquela que seria, talvez, a nobre missão de representar a soberania portuguesa naquele território. Missão na qual empenhei todos os esforços, todas as minhas capacidades, missão que me causou grandes desilusões. Já não acredito nos homens, principalmente nos políticos, e estou cansado da mentira, das falsas promessas e das atitudes de fachada. Venho cansado da miséria, de ver a miséria, o ódio e o desespero. Venho cansado do egoísmo, da crueldade e da ambição desmedida. Estou aqui em Portugal, estou aqui, como sempre estive à disposição dos meus superiores hierárquicos para receber ordens, ordens para um militar que sempre fui, um militar que nunca deixei de ser e que sempre serei.

Quero dirigir as últimas palavras àqueles milhares de portugueses europeus brancos, escorraçados daquela terra, terra que já consideravam como a sua nova pátria e que têm perdido tudo e deixando tudo, se vieram refugiar em Portugal. Muitos já vieram, muitos, infelizmente, ainda hão-de vir, ou terão mesmo que vir. Para eles o meu carinho e um voto sincero de melhores dias e mais sorte. Nunca é demais para começar. Tenham fé nos destinos do nosso País. Ver “Diário de Notícias” de 5-8-1975.

Curiosamente na mesma edição, o Almirante Rosa Coutinho afirmava, não querendo comentar estas afirmações do General Silva Cardoso: “(...) não ser oportuna uma intervenção militar em Angola, conduzida pela OUA e que nada há de concreto sobre a possibilidade de intervenção dos capacetes azuis da ONU.”

Guerra,Descolonização e tentativa de branqueamento da História.







Guerra, Descolonização e tentativa de branqueamento da História

Dois intelectuais distraídos e um provedor paternalista…



Por Cor. Manuel Amaro Bernardo
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(…) A impotência ou a passividade cúmplice são uma coisa. A acção deliberada, outra. O que fizeram as autoridades portuguesas durante a transição (em Angola) foi crime de traição e crime contra a humanidade. (…).
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António Barreto, in “Público” de 13-4-2008.

(…) O que é que movia quem se recusava a fazer a guerra colonial? Ideologia, “anticolonialismo”, (…). De tudo um pouco, mas, bem vistas as coisas (…) é a mesma atitude que vejo nos homens de 1961, que aparecem nesta série televisiva: patriotismo. (…)
José Pacheco Pereira, in “Público de 19-4-2008.
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Através dos comentários produzidos por estes dois professores e historiadores, de que as transcrições acima feitas dão uma perspectiva do seu pensamento, poderei deduzir que eles têm andado demasiado distraídos em relação ao sucedido em África, quer na guerra iniciada em 1961, quer na apressada descolonização levada e efeito no pós-25 de Abril. E nem poderão desculpar-se com a falta de livros publicados sobre o assunto, pois vários têm sido os autores a investigar e a recolher depoimentos de responsáveis e combatentes do Ultramar, entre os quais me incluo. A título de exemplo, lembro o caso de José Freire Antunes, com, entre outros, dois grandes volumes (1.070 pag.s em A 4), com o título “Guerra de África” (1995) e de António Pires Nunes, historiador (licenciado) sobre temas relacionados com Angola, onde cumpriu três comissões por imposição, desde 1961. O seu último trabalho, publicado em 2005, na minha editora (Prefácio) intitulava-se “Angola 1961; da Baixa do Cassange a Nambuangongo”.
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Curiosamente, no mesmo trimestre (último de 2007) em que Américo Cardoso Botelho lançou o seu livro “Holocausto em Angola”, que tanta perplexidade e surpresa causou a António Barreto, publicou a historiadora Dalila Cabrita Mateus (também oriunda da esquerda), em co-autoria com Álvaro Mateus, a polémica obra “Purga em Angola; Nito Alves, Sita Valles, Zé Van Dunem; o 27 de Maio de 1977”, e eu, o livro “Guerra, Paz e os Fuzilamentos dos Guerreiros; Guiné 1970-1980.


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As incorrecções de António Barreto
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Debrucemo-nos sobre a coluna de António Barreto e que alguma polémica provocou na Internet, nomeadamente pela transcrição de uma carta de Rosa Coutinho a Agostinho Neto e que, desde há muito, se sabia ser uma montagem, publicada num jornal sul-africano. Dois jornalistas que acompanharam os acontecimentos do pós-25 de Abril em Angola, Ferreira Fernandes (agora no DN) e Artur Queiroz vieram a terreiro confirmar essa situação. No entanto, tal não quer dizer que Rosa Coutinho não tenha permitido torturas e prisões arbitrárias a brancos (e não só), para fazer o “frete” ao MPLA, e ainda levasse a efeito saneamentos de oficiais (embarcados compulsivamente para Lisboa) que não lhe facilitassem esse desiderato, Tal foi-me confirmado por alguns oficiais, como o Cor. Pil. Av Alcino Roque e os Generais Altino Magalhães, Alves Ribeiro e Heitor Almendra, em entrevistas, em 1995, para o meu livro “Memórias da Revolução; Portugal 1974-1975” (Ed. Prefácio/2004). Aquele almirante, também entrevistado para este trabalho, disse-me ter dado igual tratamento aos três movimentos de libertação e que apenas conseguira evitar a marginalização do MPLA, contra a vontade do então Presidente da República, General António de Spínola. Depois da minha insistência lá confirmou o apoio ao MPLA: “Isso foi já depois de ter saído de Angola, Apenas tomei partido pelo MPLA após ter regressado a Lisboa.”
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Recordo que como resultado do Acordo de Alvor tinha sido montado em 31-1-1975, um governo de transição com elementos dos três movimentos, MPLA, FNLA e UNITA, e sendo nomeado Alto-Comissário, o General Silva Cardoso. No entanto, ainda em Fevereiro o MPLA iniciou a luta contra os outros movimentos e em meados de Julho já tinha conseguido expulsar a UNITA e a FNLA de Luanda. Em finais deste mês o General Silva Cardoso demitiu-se do cargo por “não querer alinhar com o MFA” no apoio ao MPLA, e depois de ter dado ordens para a retaliação contra a sede deste partido em Vila Alice, que se realizou e foi devastadora para este partido. Assim em 22 de Agosto, o Conselho da Revolução, em Lisboa, acabou por suspender a vigência do Acordo de Alvor, mantendo a data da independência para 11 de Novembro seguinte. Uma semana depois o Almirante Leonel Cardoso tomou posse do cargo de Alto-Comissário, sendo Comandante-Chefe Adjunto o Cor. Heitor Almendra, graduado em general. Julgo que ninguém irá concluir que estou a fazer a defesa do comportamento de Rosa Coutinho em Angola; mas, como se diz na minha terra, “o seu a seu dono”.
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A efectivação de um julgamento popular em Luanda de sete indivíduos, por um Tribunal Revolucionário do MPLA, que os fuzilou de imediato nas imediações e descrito no livro em causa, ocorreu em 27 de Agosto de 1975, já quando este movimento dominava completamente a cidade de Luanda, na sequência dos referidos conflitos internos.
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Depois de descrever este acontecimento, António Barreto vem afirmar:
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“(…) As forças militares portuguesas e os serviços de ordem e segurança estavam ausentes. Ou presentes como espectadores.
“ A impotência ou a passividade cúmplice são uma coisa. A acção deliberada, outra. O que fizeram as autoridades portuguesas durante a transição foi crime de traição e crime contra a humanidade. (…)
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E para chegar a esta “brilhante” conclusão baseou-se na atrás citada carta falsificada (datada de 1974) que Cardoso Botelho publicou no seu livro e de que, a seguir, transcreveu significativos textos…, indo ao cúmulo de dizer que tais gestos das autoridades portuguesas deixaram semente (!?), para os golpes e contragolpes de 27 de Maio de 1977. António Barreto poderia ter tido maior cuidado com a credibilidade que atribuiu a tal documento… e tentar perceber o que vem sucedendo em África, desde há várias décadas: Lutas tribais imparáveis e vinganças em relação às ligações anteriores de populações e combatentes com o colonizador.
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Foi isso que concluí com o sucedido nos milhares de fuzilamentos clandestinos ocorridos depois das independências, não apenas em Angola, mas também em Moçambique, Timor e Guiné e explicitados em livros que publiquei desde 1999, sobre estes três territórios.
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Entretanto, Joaquim Vieira, Provedor do “Público”, na edição de 27 de Abril passado, veio escrever este incrível texto:
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“ (…) Em suma, o Público está sujeito que uma situação idêntica (à de António Barreto sobre Rosa Coutinho) venha a repetir-se. A responsabilidade não será de quem escreve, mas de quem publica”.
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Isto não é assim. Quem escreve assume total responsabilidade do artigo publicado e, no caso de participação para Tribunal, por crime de difamação ou outro, será ele a responder judicialmente, como aconteceu em 2007 com um indivíduo, que me difamou num semanário. Quando o texto não é assinado é que a responsabilidade criminal será atribuída ao director do jornal. Independentemente do que aqui refiro, não estou a ver qual será o comentador habitual e responsável que queira ficar sujeito à censura interna da direcção/redacção. É que normalmente existe a verdade de cada um…

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Branqueamento da História…
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O branqueamento do sucedido no pós-25 de Abril em Portugal está ser feito por Otelo Saraiva de Carvalho, que, nesta efeméride dos 34 anos, se dividiu em deambulações por cá e pela “estranja” fazendo afirmações inconcebíveis e resultantes do facto de terem ficado prescritos os seus crimes cometidos a liderar os terroristas das Forças Populares 25 de Abril. Ele fora condenado na 1.ª instância, em 1987, em 15 anos de prisão pelo crime de terrorismo, com agravamento pelo Tribunal da Relação e do Supremo Tribunal de Justiça – 17 anos.
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Por proposta de Mário Soares antes de sair da Presidência da República, a Assembleia Legislativa aprovaria uma amnistia com os votos contra do CDS e PSD, onde se encontrava José Pacheco Pereira que, nos debates afirmou que Otelo não merecia ser amnistiado. Tal posição era baseada no facto dele, numa entrevista ao Expresso, ter afirmado que a morte de uma criança pelos terroristas das FP25 tinha sido um erro técnico. E acrescentava: “Este cinismo não pode ser amnistiado”.
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Continuavam por julgar os crimes de sangue que, segundo se constou, os deputados da maçonaria não consideravam poder ser amnistiados. Assim, de 2001 a 2003 decorreu a saga dos recursos, que acabaria com o desleixo de um magistrado do Ministério Público, que deixou expirar o prazo para se poder recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça. Tal conjuntura resultaria de uma decisão do Tribunal Constitucional, que, segundo o Juiz Adelino Salvado, “irá também acontecer no caso da Casa Pia e vai levar ao aniquilamento do sistema” (António José Vilela/2004).
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Assim, Otelo acabou por “virar santinho” e, na sua opinião, uma vítima do sistema, permitindo-se que determinados órgãos de CS nacionais e estrangeiros lhe dêem cobertura mediática e tenha levado mesmo um deputado do PS, num recente programa da RTP1, a vir fazer a sua defesa e admoestar os deputados de PSD e CDS, lá presentes, por virem lembrar as suas responsabilidades nos actos vergonhosos praticados ao longo do PREC e da escabrosa actividade nas FP25. Espantoso!!!
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O “Patriotismo” de Pacheco Pereira
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Quanto ao artigo de José Pacheco Pereira, de 19-4-208, no “Público”, mercê da sua postura de “antifascista de longa data”, encontramos lá erros de palmatória. A certa altura afirma que “não havia negros bons a não ser na propaganda”, acabando por acrescentar o seguinte:
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“ (…) A série de Joaquim Furtado mostrou uma realidade que continuamos a esconder; é que aos massacres da UPA se seguiram os massacres dos portugueses, colonos e tropa, a que não escapava um racismo instrumental onde o único negro em que se podia confiar era no negro morto. Foi assim em 1961 (…)”
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Estas afirmações são demagógicas, pelo que aconselho que leia o referido livro do seu companheiro de partido, José Freire Antunes. Mas eu quero lembrar-lhe o seguinte. Nos grandes massacres desencadeados pela UPA, com o apoio dos EUA, entre 15 e 18 de Março, foram mortas cerca de 7.200 pessoas, sendo 1.200 brancos e 6.000 negros. Então como é que o problema pode ser colocado em termos racistas, se foram mortos cinco vezes mais negros do que brancos? Muitos negros que trabalhavam nas roças do café do Norte eram bailundos oriundos do Sul. Podemos falar é de problemas tribais e da grande violência generalizada, e não na maneira como Pacheco Pereira aborda o assunto.
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Também não é verdade que “aqueles soldados e oficiais portugueses que em 1961, quase sem nada, foram mandados para uma guerra para que não estavam preparados”, pois o Exército, com bases em instrutores enviados à Argélia, tinha montado em Lamego, em Abril de 1960, o CIOE (Centro de Instrução de Operações Especiais), para a instrução de contraguerrilha e por onde eu também passei em 1960 e no primeiro trimestre de 1961. Assim, em 1960, Angola já contava com quatro companhias de caçadores especiais e até Março de 1961 seriam desembarcadas mais sete destas companhias. Eu próprio (como alferes), que passei por Luanda, em Março, com destino a Moçambique, integrando os quadros de outras duas companhias de caçadores especiais, nunca julguei que iria seguir viagem até ao Ìndico, dada a situação complicada gerada em Angola. Mas como se esperava igualmente o eclodir da subversão naquele território, acabámos por continuar o percurso previsto. A minha companhia (CCE 80) seria colocada em Nova Freixo (hoje Cuamba), com uma zona de acção que ia do Rio Rovuma ao Rio Zambeze.
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Depois, torna-se absurda a argumentação de Pacheco Pereira quando, em termos de patriotismo, mete no mesmo “saco” os “portuguesinhos valentes, tão capazes de um heroicidade simples”, e os que constituíram a pequena minoria de refractários e desertores, como (acrescento eu) um político e historiador, que antes de fugir para o estrangeiro, ainda recebeu as ajudas de custo de embarque para África, ou um conhecido político e poeta, que esteve cerca de dez anos na Rádio Argel a colaborar com quem nos combatia em África..

Considero estranha a comparação feita, sobre “esta natural proximidade que”, na sua opinião, “devia envolver os homens desses dois mundos, cada um patriota a seu modo”; e com maior razão para mim, educado para defender a Pátria, que, na altura, considerava ser também constituída pelos portugueses residentes em África e que em grande número haviam sido vergonhosamente massacrados. Recordo que um jornalista inglês, presente em Angola, em 1961, afirmava que “nesses três dias, oitocentos civis portugueses tinham sido mortos da maneira mais atroz: feitos assassínios em massa, com muitas mutilações de cadáveres, após as violações de mulheres e crianças.”
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A História poderá ser provisoriamente manipulada, mas quando o tempo fizer sedimentar os dados recolhidos, o seu estudo e análise acabará por “produzir” uma verdade mais próxima da realidade.
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Cor Manuel Amaro Bernardo
30-4-2008
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in PortugalClub - destaques da responsabilidade do PortugalClub

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Nota de Victor Nogueira
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Posso apenas servir-me das minhas «memórias» e estas perdem-se nas brumas do tempo e nas mudanças do olhar.
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Mas perante tantos cronistas encartados que na Televisão e na auto-denominada «imprensa de referência», como Marcelo Rebelo de Sousa, Miguel Sousa Tavares, Nuno Rogeiro, Jorge Coelho, Santana Lopes, José Sócrates, António Barreto, Emídio Rangel e Vital Moreira, etc., etc., etc., abalizados fazedores de opinião pública e outros que peroram ou peroraram abalizadamente sobre tudo como se inclíticos descendentes do «renascentista» e genial Leonardo Da Vinci fossem, permitam-me estas opiniões «impressionistas» dum bloguista Zé Ninguém.
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De 1961 a 1966 vivi diariamente em Luanda e depois daí, estudante universitário apenas e até às Férias Grandes de 1972, posso dar a minha opinião, por vezes «impressionista», tal como os «sábios» «opinion makers» acima referidos, aceitando rectificações contudo fundamentadas às minhas «memórias».
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A «independência» do Congo ex-belga, nunca chamada à colação mas mais «assassina» ou «criminosa» que a Portuguesa nos moldes em que foi feita (recordemos o abandono dos colonos brancos e da secessão do rico Katanga, do apoio a Moise Tshombe e do assassinato de Lumumba, este apresentado como sanguinário analfabeto pela imprensa portuguesa - lembremo-nos também das «anedotas» sobre Samora Machel, (1) ... Lumumba, apesar de «protegido» pelos capacetes azuis no Congo Belga, que fora «propriedade particular» do imperador da Bélgica, teve a mesma «sorte» que os seus compatriotas no século XIX que, sob a pata do «venerável» Leopoldo II, foram assassinados: 50 % da população do Reino ou Império do Congo, pela Conferência de Berlim artificiosamente «dividido» entre Portugal, a Bélgica e a França. (2)(3)
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A chegada de levas de colonos brancos aterrorizados fugidos do Congo ex-Belga com uma mão à frente e outra atrás, foi habilmente explorada pela imprensa angolana ferreamente controlada pelo fascismo Português para «demonstrar» a inferioridade dos negros, selvagens incapazes de se autogovernarem.
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Considerados «mentecaptos» pelo fascismo salazarento português, os negros em África (durante séculos coisas e mercadoria escrava na América) eram considerados incapazes de viverem em democracia, tal como os brancos e as mulheres no Puto. Durante séculos Angola foi vasta colónia de degredo, para criminosos de direito comum ou presos políticos, de Portugal ou do Brasil. É verdade que os líderes dos chamados «terroristas» eram intelectuais negros, licenciados ou não pela salazarenta Universidade Portuguesa, como Agostinho Neto, Amílcar Cabral, ViriatoCruz, Eduardo Mondlane, Mário Pinto de Andrade ou Savimbi ...

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A tragédia do Congo teve influências negativas em Angola após os assaltos em Luanda à Cadeia Civil de S. Paulo, ao Quartel da Polícia Móvel e ao Forte de S. Fernando, ocorridos em 4 de Fevereiro de 1961, para libertar os presos políticos, e reivindicados pelo MPLA. Desses assaltos resultaram mortos apenas entre os assaltantes e as forças policiais, neste caso sete. O senhor Coronel Manuel Amaro Bernardo dá o seu testemunho sobre a preparação das forças militares portuguesas para a guerra de guerrilha e sobre a ausência de massacres sobre as populações negras.
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Eu, como muitos outros brancos, estávamos lá. Éramos brancos da 2ª geração, éramos brancos angolanos a quem Portugal nada dizia (veja-se o meu poema Raízes) e já dei testemunho com um saber de experiência feita dos massacres sobre as populações negras perpretados indiscriminadamente pelas milícias da Organização Popular de Vigilância e Defesa Civil de Angola no PortugalClub, no macua.blogs - 25_de_abril_o_antes_e_o_ agora e no Kant_O_XimPi (15 de Março de 1961)
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A benevolência do colonialismo ou o «luso-tropicalismo» de Gilberto Freire (4) são uma ficção, mesmo num país «exemplar» mas de facto racista como é o Brasil. Apenas e na sequência da Conferência de Berlim. nos finais da Monarquia - após o ultimatum do velho e «aliado» amigo e opressor e colonizador de Portugal, sobretudo na sequência do leonino Tratado de Methuen - e durante a 1ª Reoública, com as chamadas «Campanhas de Ocupação», se dominou aparentemente a resistência ao invasor estrangeiro, igual à enaltecida independência de Portucale ao Reyno de Leão ou à resistância de Portugal à ocupação do Castela ou às invasões napoleónicas.
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Os resistentes de Portugal à colonização do Portugal europeu, incluindo aos ideais da Revolução Francesa (Liberdade, Igualdade e Fraternidade) são considerados heróis exemplares, enquanto os resistentes na «Mãe-Pátria» eram apresentados como «agentes» e «traidores» a «soldo» de Moscovo e os das colónias eram apresentados como selvagens, sub-humanos, negros pagãos envolvidos nas trevas da idolatria e terroristas. Mas foi o carro do consul norte-americano em Angola que os «brancos» de Luanda atiraram à baía ou as missões evangélicas norte-americanas que foram depredadas. Na altura não havia ilusões nem «revisões» da história.
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O senhor Cor. Manuel Amaro Bernardo não refere o esclavagismo que era o «contrato de trabalho» em Angola e S. Tomé, denunciado mesmo por Henrique Galvão, anti-comunista e até certa altura defensor da «gesta imperial», nem os comprovados «crimes de guerra» silenciados pela censura do «democrático» fascismo português, de que são exemplo o genocídio sobre as populações camponesas negras, regadas a napalm, em greve face ao regime de monocultura imposto pela Cotonang para integrá-los na economia de mercado. Nem refere a «exploração» do chamado tribalismo entre congoleses e bailundos, «aproveitada» pelos fazendeiros do café no norte de Angola, como o fascismo e os latifundiários se aproveitavam da miséria dos «ratinhos» da Beira Baixa para impor baixos salários aos assalariados agrícolas alentejanos nas praças de jorna ou em greve por melhores condições de vida e de trabalho.
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Podem oficiais do Quadro Permanente, «retornados» e saudosistas de Salazar dizerem que a guerra estava militarmente ganha. Mesmo que assim fosse ela estava económica e políticamente perdida face à cegueira e ganância de quem económicamente sustentava o fictício e embaraçante poder de Salazar/Caetano. O esforço de guerra era feito pelos oficiais milicianos e pela «tropa» camponesa portuguesa que fugia e emigrava.
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Como confirmou o falecido e anti-comunista General Galvão de Melo, na RTP, o exército português na altura não estava preparado para uma guerra de guerrilha mas sim para uma guerra convencional. Como ele confirmou, Salazar foi antecipadamente informado pelo Governo norte-americano da revolta da UPA, que apoiava e financiava. Salazar nada fez para evitar os massacres e após o falhanço do ingénuo golpe palaciano de Botelho Moniz pronunciou o célebre «Para Angola em Força».
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As primeiras forças expedicionárias portuguesas foram recebidas em delírio ao desfilarem garbosamente em Luanda na mítica e bela Avenida Marginal Paulo Dias de Novais (embora adolescente, eu estava lá).
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É verdade que breve o entusiasmo dos «brancos» se transformou em menosprezo face aos «maçaricos» mal armados, que morriam como tordos, e cujas armas obsoletas lhes rebentavam na cara, como passou a constar mais ou menos em surdina?
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Podem oficiais do Quadro Permanente, «profissionalizados» nas «artes» da guerra, puxarem lustro aos galões, mas terá fundamento a opinião dos brancos, pelo menos em Luanda, de que eles limitavam-se a ficar na rectaguarda, a partir de certa altura «cansados» de sucessivas comissões e de andarem com a casa às costas?
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Pode haver quem louve o «democrata» militar profissional de carreira General Spínola, apoiante e observador das tropas nazis durante a invasão da URSS perante o «silêncio» e passividade dos «manos» democratas republicanos protectores de nazis após a fantochada do Tribunal de Nuremberga ou da condenação à morte de Eichmann pelos sionistas do artificial Israel, (que esteve para ser em Madagáscar ou no Sul de Angola), como Churchill (o da cortina de ferro) e F. D. Roosevelt ou Truman (o da Guerra Fria, criminoso de guerra e responsável pela destruição de Hiroshima e Nagasaki), «pai» de McCarthy, ou medíocres actores como Reagan's, mulherengos e viris Kennedy's' ou Clinton's, (com o beneplácito de Jacqueline's «Onassis» ou Hilary's) ou «geniais» Bush, estrénuos defensores dos direitos humanos e de todos os golpes fascistas na América Latina ou no chamado 3º Mundo perpetrados na sombra mais ou menos encoberta da Companhia ou de másculos «travestis» e tarados sexuais.
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Que os distingue face a por eles considerados «criminosos» como Estaline, Fidel Castro, Nelson Mandela (Nobel da Paz que ainda hoje figura na lista dos «terroristas» elaborada pelo Tio Sam), a URSS ou a China «Popular» ou Chavez, enquanto deram apoio a impolutos Salazares, Francos, Pinochets, Bin Laden, Papa Doc's, Fulgêncios, Trujillos, Noriegas, Mobuto, Tschombé, Savimbi, Holden Robertos, Suharto, Marcos, Saddam, Reza Pahlavi ,Faiçal ou Fahd, Ian Smith ou defensores do apartheid e uma infindável lista de democratas defensores dos direitos humanos, transformados alguns em terroristas ou inimigos da humanidade quando tiveram a veleidade de enfrentarem «a Voz do Dono»?
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A série sobre a guerra colonial recentemente transmitida pela RTP e distribuída presentemente pelo tablóide Correio da Manhã - líder de vendas - mas ignorada pela imprensa de referência e «desprezado» pelos «intelectuais» e pelas «classes» alta e média alta, abriram os olhos a «retornados» e «ex-combatentes» provenientes da ralé e compulsivamente incorporados nas Forças Armadas Portuguesas, integradas na superioridade dos «brancos» e da «civilização ocidental cristã (católica)», a tal que se horrorizava perante os «sacrifícios» sangrentos das civilizações pté-colombianas, que exterminou apesar de cientidicamente mais avançadas, tal como os árabes (mouros), chineses e japoneses, enquanto apadrinhava sangrentas guerras religiosas na Europa e torturava Galileu e outros «hereges», quando não os queimava nos autos de fé em tudo idênticos aos sacrifícios dos maias e de cristãos, estes pelo imperialismo romano (o tal da paz dos cemitérios) santificados e mortos nos «Coliseus», subversivos monoteístas então condenados à clandestinidade das Catacumbas.
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Quanto ao inefável estratega e herói do 25 de Abril, de seu nome Otelo Saraiva de Carvalho, não passa dum verborroico, como muitos ultra-revolucionários acérrimos inimigos do «social-fascismo», agora convertidos às delícias do capitalismo e seus serventuários. Eles eram os «Pinta-Paredes», os impolutos ultra-revolucionários maoístas, simples barretes morgadios, de falso tesão, filhos de Sant'Annas de Portas Abertas, conservados em salmoura, ontem estrénuos defensores da demo-cracia ou da Liberdade e do Zé Papa-Açordas ou inimigos do capitalismo de Estado da URSS e defensores da Revolução Cultural do bando dos quatro, hoje renegados de Mao Zdong e acérrimos adversários dos «amarelos» da milenar China e mergulhados na Lama.
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Em 25 de Novembro de 1975 o grande Otelo pôs os seus adeptos na rua e foi para casa dormir, incomunicável, indiferente ao desencadear duma guerra civil. O «comandante» e notável estratega deu luz verde às suas «tropas» e depois zarpou.
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Ultra-revolucionário candidato às eleições Presidenciais contra Ramalho Eanes, o estratega do 25 de Novembro, e contra Octávio Pato, candidato do PCP, o grande Otelo, estratega do 25 de Abril, confessou anos mais tarde, «candidamente», que apesar de candidato votara no «adversário» Ramalho Eanes, porque «a democracia já estava consolidada». Santa ingenuidade daqueles de cujo voto se aproveitou e traíu para permitir a vitória de Ramalho Eanes e limitar a votação no PCP. As autodenominadas Forças Populares do 25 de Abril, lideradas pelo «ingénuo» Otelo, acusadas de bombistas e de crimes de sangue, foram julgadas e condenadas, enquanto as gémeas forças do Exército de Libertação de Portugal ou do Movimento Democrático de Libertação de Portugal lideradas pelo «Marechal» Spínola, Alpoim Calvão, Cónegos Melo e Ferreira Torres nunca foram levados à barra do Tribunal nem por isso precisaram de amnistias, pelo que morreram em cheiro de santidade e sem escândalo. Talvez um dia sejam transladados pera o «Panteão» Nacional, já que não possuem sangue azul que lhes permita repousar em S. Vicente de Fora.
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Com lágrimas de crocodilo choram-se os mortos pela Guerra Civil em Angola, aponta-se o dedo ao MPLA e a Cuba, mas deixam na sombra a UNITA, Savimbi e o exército racista da União Sul Africana. Chora-se a «traição» dos que deixaram os Flechas no terreno e que foram fuzilados, mas não se diz que o mesmo fizeram os EUA aos colaboracionistas no Vietname enquanto os últimos americanos fugiam como ratos embarcando nos helicóperos no telhado do edifício da «sua» embaixada. Choram-se os mortos e as vítimas da «barbárie» após a descolonização portuguesa, mas deixam-se na sombra os milhões de mortos no Iraque, na Indonésia, em Dresden, em Hiroshima e Nagasaki, nas colónias europeias ou no quintal do Tio SAM. Censura-se Iago, mas esquecem que a pacífica Revolução dos Cravos teve poucos mortos e esses foram provocados pela «valerosa» PIDE ou pelos bombistas do ELP/MDLP, a norte de Rio Maior. Enquanto isso, elogia-se a Padeira de Aljubarrota, que assassinou à pazada derrotados, perdidos e assustados castelhanos, ou admira-se a populaça que assassinou os derrotados e fugitivos soldados napoleónicos e aplaude-se o assassinato de Miguel de Vasconcelos, o traidor.

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Quanto à «traição» de Álvaro Cunhal, a «soldo» de Moscovo ou de Mário Soares, também a «soldo» de Moscovo para uns, «agente» da Companhia» para outros, é bom recordar que a cadeia de comando foi quebrada nas colónias pelo pé descalço «miliciano» cansado da guerra e em Portugal por aqueles que então gritavam «Nem um Soldado para as Colónias, Já!» em nome da «Revolução a Todo o Vapor», hoje sentados nas poltronas do Poder que diziam combater, pagos por Roma a troco duma travessa recheada de lentilhas, clari-videntes visionários de argueiros no olho do vizinho mas cegos da trave que lhe tapa o olhar, ou «horrorizados» e assépticos investigadores sociais e/ou «opinion makers» que então se apresentavam como os verdadeiros comunistas ou reorganizadores do partido do proletariado. . É da História que apenas Ramalho Eanes e Álvaro Cunhal se opuseram á aceitação da ocupação de Timor Leste pelas «democrática» Indonésia, com o beneplácito protector do Tio SAM, que exterminou milhares de resistentes timorenses que mal sabiam falar português, tal como os negros em África antes da independência.

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(1) anedotas idênticas às que portugueses contam dos galegos ou dos alentejanos, que brasileiros contam dos portugueses ou de brancos sobre os negros e «mouros».

(2) Adam Hochschild - O Fantasma do Rei Leopoldo

(3) Joseph Conrad - Coração das Trevas (Heart_of_Darkness)

(4) - O Luso-Tropicalismo de Gilberto Freire e Lusofonia e Luso-tropicalismo