segunda-feira, março 31, 2008

A lusa quem quer ser de àgua!





Sobre a poesia de Agostinho Neto
Laurindo Vieira

Li recentemente as afirmações do escritor José Eduardo Agualusa sobre a mediocridade da poesia de Agostinho Neto. Li também as afirmações do escritor Sousa Jamba, em defesa de Agualusa, ou melhor em resposta ao Senhor Artur Queiroz.
Não sou crítico literário, nunca fui e acredito que não o serei por não dispor de formação nesta área. Leio poesia desde os 10 anos e fruto desse exercício criei uma visão sobre a “beleza da poesia” e o encanto que ela transporta. Acredito por isso, que a poesia ainda é a nata das artes.
Dos poetas angolanos, os que mais li foram Viriato da Cruz, António Jacinto, Aires de Almeida Santos e Agostinho Neto. Gostei de todos. Em relação a Agostinho Neto, o que mais me marcou na sua poesia foi a centralidade com que abordou a dimensão do Ser Humano, simbolizado na imagem do Africano vergastado pelo peso da escravatura.
A poesia de Agostinho Neto apresenta uma dimensão estética em que predomina o belo e o seu efeito sobre os sentidos é avassalador. Recordo-me do seu poema “Criar”, um verdadeiro Hino à Coragem. A poesia de Agostinho Neto retrata um tempo de sonhos desfeitos, de hetero-utopias constantes em que o sonho e a realidade do sujeito retratado se manifestavam no desejo da Liberdade. Acredito por isso, que o poeta é um construtor de esperanças e cada poeta, à sua maneira constrói o seu mundo e traça na trajectória do tempo, os sonhos daqueles que esperam que o presente não transporte para o futuro, os erros do passado.
A poesia de Agostinho Neto, em meu entender, não pode nem deve ser analisada numa entrevista de circunstância ou numa perspectiva nua e insípida. O escritor José Eduardo Agualusa pode emitir a opinião que entender sobre quem quiser. As opiniões valem o que valem, podem retratar visões distorcidas ou reais sobre as coisas e sobre os fenómenos. Podem também estar eivadas de simpatias, ódios, recalcamentos. Mas no mundo das ideias, das artes, da ciência, a crítica entre o que é mau e o que é bom deve ser feita com base em critérios científicos e honestos, com provas refutáveis ou irrefutáveis e livres de juízos de valor. Da forma como o escritor Agualusa expõe as suas teses, parece que o faz partindo de uma simbiose entre a avaliação afectiva (do tipo gostar / não gostar) e a avaliação instrumental (do tipo competente /incompetente). Daqui resulta a seguinte fórmula: “não gosto de Neto, logo a sua obra é medíocre”.
Julgo que a comparação entre Agostinho Neto com outros poetas, feita por Agualusa e retomada por Sousa Jamba é patológica. Patológica porque toda a comparação que visa denegrir uns e valorizar outros não é comparação. A comparação deve resultar de uma perspectiva diferencial, ou seja, compreender o que cada um tem de diferente em relação ao outro e de que forma estas diferenças podem ser construtoras de sentidos epistemológicos ou de outra natureza.
Gosto da poesia de Agostinho Neto, de Viriato da Cruz, tal como gosto da poesia de Manuel Alegre. São todas poesias lindas, mas diferentes, porque se os sonhos são diferentes, por que razão Agostinho Neto há-de ser igual a Philipp Larkin, Ted Hughes ou José Craveirinha? Quando Sousa Jamba afirma que os poemas de José Craveirinha o comoveram bastante, devo afirmar que também gostei de ler Craveirinha. Comoveu-me bastante o seu poema “Maria”. Mas será este o critério que Sousa Jamba utiliza para a tipificação dos poetas, em bons e medíocres? Será a emoção o critério para a mensurabilidade da qualidade literária? Acredito que não! Quanto ao facto de Agostinho Neto, enquanto poeta não ser referência obrigatória num curso de literaturas africanas, seja em Londres, Luanda, Maputo ou Bissau, acredito que é mau. Mas devo confessar que esta situação não o reduz à mediocridade, pelo contrário, reduz sim, o curso a insipiência, pois não estudar Agostinho Neto, Viriato da Cruz, António Jacinto, João Maymona é não conhecer os caminhos por onde brota seiva da poesia angolana.
Mas concordo com Sousa Jamba e com Eduardo Agualusa quando referem sobre a fraca divulgação de muitos dos nossos escritores. Talvez seja este o grande problema da universalização da nossa literatura, a ausência de uma política de marketing mais aguerrida, em matéria de divulgação, para que muitos dos nossos poetas, escritores, pensadores sociais, sejam mais lidos e conhecidos não apenas em Londres e Portugal, mas também em Angola.
Acredito pois, que é necessário aprofundarmos a investigação sobre nós próprios, compreender que as águias não voam por terem asas, pelo contrário é por terem asas que elas voam. Defendo que todos os que produzem debates sobre a nossa história, individual ou colectiva, sobre a nossa identidade saibam apresentar na arena do conhecimento os critérios de validação dos seus argumentos.

Vida Cultural
30/03/2008 Jornal de Angola