sábado, maio 03, 2008

Vai Água!




JORNAL DE ANGOLA online - Notícias de Angola para o Mundo

Da declaração de Agualusa ressalta mais um sinal da sua incapacidade de

discernir, com justeza, quais os conceitos, os valores e as palavras adequados

a um objecto com o qual tenha uma relação de competição, nomeadamente se

for a literatura angolana. Além do mais, Agualusa fez a acusação de que a sua

declaração sobre a qualidade literária de Agostinho Neto ter sido envolvida

numa polémica que seria política só pelo desejo dos outros, como se ele fosse

um inocente e ninguém tivesse memória. Ora, no blogue dirigido por Inácio

Rebelo de Andrade (www.huambino.blogs.sapo.pt), o escritor Leonel Cosme

recordou algumas outras frases polémicas de Agualusa, que quase fizeram

história, como aquelas em que ele considerou, a dada altura, Durão Barroso

um político de que não ficaria memória. Teremos de aguardar o decurso da

história. Em contraponto, Agualusa elogiou Mário Soares como grande político

português, o que é inquestionável, mas devo acrescentar que talvez o tenha

feito também e sobretudo, mas isto é uma especulação, por este ser um

antipático do MPLA de Agostinho Neto, sobretudo no pós-independência, e um

simpático para com a linha de Savimbi. Parece, então, que Agualusa,

politicamente, não se libertou dos pre(con)ceitos antigos e que continuará a

falar por intermédio de visões anquilosadas do tempo da Guerra Fria,

interesses obscuros que se apresentam como da máxima liberdade e

frontalidade, não suportando o facto, muito simples e evidente, de Agostinho

Neto ser o poeta da libertação e do povo, o poeta nacional angolano,

representando para Angola o que Rosalia de Castro representa para a Galiza,

Withman para os Estados Unidos ou Nazim Hikmet para a Turquia.

Agostinho Neto não é um poeta medíocre. Tudo estaria certo, e Agualusa não

seria “incomodado” e incomodativo, se opinasse, por exemplo, que Neto não é

um poeta da sua preferência ou que, para ele, não é o poeta mais

representativo de Angola. Estava no seu direito e não agredia o que quer que

fosse. Porém, dizer que é um poeta medíocre só pode ser interpretado como

provocação, como verdadeira tirada de mau gosto, vontade de exuberância

mediática, ressabiamento político, etc. Eu permito-me aqui uma “profecia” em

relação a Agualusa: na história da literatura angolana, daqui a dois ou três

séculos, continuará a constar, em grande plano, a poesia de Agostinho Neto,

como algo matricial e tutelar. E, comparada com a obra de Neto, Pepetela,

Luandino, Uanhenga, Maimona, Ruy Duarte de Carvalho, Mena Abrantes ou

Manuel Rui, a de Agualusa terá sempre direito a três ou quatro parágrafos a

menos ou, ainda, a uma referência breve na história da literatura portuguesa.

Creio que esse é o verdadeiro drama de Agualusa: ser menos representativo

do que se julga e apostar na raiva lusitana contra o MPLA de Agostinho Neto,

de que ele próprio é um dos ateadores, por cima de toda a compreensão

objectiva e histórica das condições estratégicas e tácticas da luta de libertação,

da independência e da pós-independência de Angola. Só para espíritos

cabotinos é que a poesia de Neto será medíocre. E as suas são frases típicas de

um cabotino, que o dicionário define do seguinte modo: “cómico ambulante (…)

pessoa presumida e que gosta de ser o centro das atenções, ostentando, com

modos teatrais, qualidades que a maior parte das vezes não tem”.

Há escritores assim, talentosos para os divertimentos, peritos em manobras de

diversão, com os seus ódios de estimação. São escritores de lugar nenhum e

de todos os lugares, explorando uma literatura em viagem, de um

http://www.jornaldeangola.com/artigo.php?ID=82945&Seccao=cultura (2 of 4) [27-04-2008 20:01:00]

Água vai!





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Agostinho Neto não é um poeta medíocre

Pires Laranjeira

José Eduardo Agualusa (n. em Angola, Huambo, em 1960) considerou, como

se sabe, numa entrevista ao Semanário Angolense, que Agostinho Neto (n. em

Angola, Icolo-e-Bengo, em 1922; m. em Moscovo, em 1979) é um “poeta

medíocre”. Ele ainda associou dois outros poetas angolanos da Geração da

Mensagem e Cultura (II )(anos 50), salvando, por exclusão de partes, o poeta

Viriato da Cruz, do qual é um admirador confesso: “uma pessoa que acha que

Agostinho Neto foi um poeta extraordinário é porque não conhece

rigorosamente nada de poesia, (…) foi um poeta medíocre (…) o mesmo se

pode dizer de António Cardoso ou António Jacinto”. Para perceber esta

afirmação, é necessário ter em conta que apenas são conhecidos 12 poemas

de Viriato, incomensuravelmente menos do que os de António Cardoso e

António Jacinto, tendo este último escrito também uma meia dúzia tão

importante, consagrada e conseguida quanto a meia dúzia daquele (em

Portugal, para quem não saiba ou não se recorde, o grupo Trovante e Sérgio

Godinho tiveram grande êxito, nos anos 80, cantando um poema de Viriato,

“Namoro”, que a maior parte do público pensava ser um texto português).

A minha opinião é que, para Agualusa, os dois Antónios são “medíocres”, não

por que o sejam, mas por terem continuado no MPLA, até falecerem, sempre

ao lado de Agostinho Neto, enquanto Viriato foi um adversário politicamente

derrotado no interior do movimento, no início da década de 60. Agualusa, de

facto, não consegue desligar a qualidade literária do percurso político das

pessoas. Do mesmo modo se pode dizer que, se os leitores de Agualusa

avaliassem os seus textos literários pelas opiniões que expende a propósito dos

assuntos mais variados, como aquela afirmação inacreditável de que a língua

portuguesa nasceu na Galiza (omitindo Portugal, porque lhe dava jeito,

naquele momento, agradar ao público africano e brasileiro), seriam forçados a

concluir que ele, muitas vezes, exagera, diz coisas mirabolantes ou mesmo

delirantes, é impreciso e inexacto, entre outras menos abonatórias, como a de

diminuir a poesia de uma referência nacional. A questão principal é que

Agualusa age como um cabotino que diz coisas extraordinárias, por exemplo, a

respeito de Saramago, classificando-o como um “niilista” e um “velho”, quando

qualquer leitor percebe que o Nobel é um escritor sério, responsável e

respeitável.

Às declarações de Agualusa ao semanário angolano, seguiram-se as reacções

de vários intelectuais, entre os quais Artur Queiroz, António Fonseca, Sousa

Jamba e Luís Kandjimbo, com alguma repercussão na comunicação social

portuguesa, embora sem o alcance registado em Angola, até obviamente pelas

diferenças de espaço concedido (em Portugal, circularam breves notícias) e

porque o calor da refrega tem o seu epicentro, de facto, em Luanda. Agualusa

saiu chamuscado e, depois, queixou-se de que, aproximando-se as eleições em

Angola, se tratava de uma intimidação, sobretudo porque um universitário

angolano da área do Direito punha a hipótese (absurda, é verdade) de ele

poder ser responsabilizado criminalmente por atentar contra o nome de uma

figura icónica do Estado e da Nação.

http://www.jornaldeangola.com/artigo.php?ID=82945&Seccao=cultura (1 of 4) [27-04-2008 20:01:00]