quarta-feira, janeiro 21, 2009

Afrique-Asie, edições sobre Angola em 1977


OBSERVADOR em Novembro de 1971

Texto de Diana Andringa, tirado sem autorização do blog "Os caminhos da memória"

Brancos para Caxias, Pretos para o Tarrafal
Posted by Diana Andringa under História



Quinta-feira, 11 de Fevereiro de 1971. No Tribunal Plenário - 4º Criminal - de Lisboa, começa o julgamento de dez pessoas acusadas de apoio ao MPLA, Movimento Popular de Libertação de Angola. Preside ao Tribunal Fernando António Morgado Florindo, acolitado por Bernardino Rodrigues de Sousa e João de Sá Alves Cortês. Costa Saraiva é o acusador público. Na defesa, ao lado de homens tão experimentados no Plenário como Manuel João da Palma Carlos, jovens advogados como Brochado Coelho, José Augusto Rocha ou Macaísta Malheiros.

A presença entre os arguidos do Presidente de Honra do MPLA, Padre Joaquim Pinto de Andrade - antigo chanceler da arquidiocese de Luanda e à data da prisão a frequentar a Faculdade de Direito de Lisboa - garante a curiosidade internacional: delegados da Amnistia Internacional, Associação Internacional dos Juristas Democratas, Liga Belga dos Direitos do Homem, Federação Internacional dos Direitos do Homem e Associação Internacional dos Cristãos Solidários batem-se pelo direito de assistir ao julgamento, na sala do Plenário em que, por norma, a polícia política preenche, desde logo, grande parte dos lugares.

A perseguição que o regime de Salazar movia a Joaquim Pinto de Andrade justificava o interesse dessas organizações: já em 1950, com patriotas angolanos (seu irmão Mário, Agostinho Neto) ou de outras colónias portuguesas (o guineense Amílcar Cabral e a santomense Alda do Espírito Santo), sonhava e planeava «o futuro das nossas pátrias africana» [1] Mas foi a partir de 1953, após regressar de Roma, onde se formara em Teologia, que as perseguições se sucederam, como a sua defesa recordou, aliás, no Tribunal Plenário: envolvimento no chamado «processo dos 50», prisão em 25.7.1960, exílio e prisão no Aljube de Lisboa em 4.7.1960; envio num navio de carga para o desterro na Ilha do Príncipe; regresso ao Aljube de Lisboa em 1961; residência fixa e clausura no Mosteiro de Singeverga; nova prisão na PIDE da cidade do Porto e posterior transferência para as celas do Aljube, em Lisboa, os tristemente famosos «curros». Em 5.1.1963, é libertado apenas para ser sujeito a nova prisão na cadeia de Caxias - «Completava eu 177 dias de prisão preventiva e sem culpa formada. Faltavam três dias para o máximo permitido por lei. Fui posto em liberdade, mas… preso imediatamente a seguir à porta da cadeia do Aljube e transferido para Caxias! No dia 8-1-63, conduzido à sede da P.I.D.E., fui ali informado de que fora posto em liberdade três dias antes e preso de novo à porta da cadeia… porque novas actividades subversivas haviam sido desenvolvidas dentro da cadeia ou à porta da cadeia.» [2] Após 389 dias de prisão ininterrupta sem culpa formada, é colocado em residência fixa no interior do Alentejo. Nova prisão em 24.1.1964, nova colocação em residência fixa num seminário de Vila Nova de Gaia. Preso de novo em Abril de 1970 é finalmente levado, nesse 11 de Fevereiro de 1971, a tribunal.

Com Pinto de Andrade, de 44 anos, sentam-se, no banco dos réus, sete outros homens e duas mulheres, todos jovens e com tons de pele variando entre o negro e o rosado: Álvaro José de Melo Sequeira Santos (Zefus), funcionário bancário, de 34 anos, Raul Jorge Lopes Feio, aluno da Faculdade de Medicina de Lisboa, de 24, José Ilídio Coelho da Cruz, gerente comercial, de 27, Maria José Pinto Coelho da Silva, aluna do ISCEF, de 26, Diana Marina Dias Andringa, redactora de publicidade, de 23, António Manuel Garcia Neto, aluno da Faculdade de Direito de Coimbra, de 26, Rui Filipe de Matos Figueira Martins Ramos, aluno da Faculdade de Direito de Lisboa, de 25, António José Ferreira Neto, médico dos Serviços de Saúde e Assistência de Angola, de 28 e Fernando Emílio de Campos Pereira Sabrosa, aluno da Faculdade de Medicina de Coimbra, de 29. À excepção de José Ilídio, nascido em Santa Isabel, Cabo Verde, e de Maria José, nascida em Lisboa, todos eram naturais de Angola.

A variedade dos tons de pele fora, aliás, salientada pelo MPLA, num Apelo ao Povo Português lido alguns meses antes aos microfones da Rádio Voz da Liberdade pelo seu representante em Argel, Castro Lopo: «O Governo de Marcelo Caetano deu-nos a extraordinária oportunidade de poder patentear aos olhos do próprio povo português a amplitude verdadeiramente nacional do MPLA. Ao julgar em Lisboa dez angolanos acusados de filiação ao nosso Movimento, é toda a matiz das camadas sociais angolanas mobilizadas em torno da nossa bandeira que se exibe, é um testemunho de extrema gravidade que indica bem que todas as camadas sociais do nosso povo são objectivamente por uma Angola livre e independente: um sacerdote, médicos e estudantes, trabalhadores, brancos, negros e mestiços, comparecem ante os tribunais sob a mesma acusação, a de lutarem pela independência de Angola».

Brancos, negros, mestiços, mas não só: pertencentes também a diferentes orientações políticas. Na extensa Nota de Culpa, se Pinto de Andrade, Ferreira Neto, Rui Ramos e Raul Feio são relacionados simplesmente com o MPLA, Garcia Neto e Fernando Sabrosa são acusados também de pertença ao Partido Comunista Português - enquanto que, no decurso dos interrogatórios, a polícia política tentara, sem êxito, conotar as duas rés com um movimento dissidente daquele, a Frente de Acção Popular.

As diferentes posições em relação aos partidos portugueses e ao subjacente diferendo sino-soviético não dividem os réus: ali, é de Angola e do colonialismo português que se trata e vários dos presos aproveitam para, nos seus depoimentos, explicar como foi a sua experiência de vida que os levou a defender o direito do povo angolano à independência e a justeza da sua luta. Negro, Garcia Neto recorda o professor que, no primeiro ano do liceu, lhe chamou «filho de terrorista»; branca, Diana Andringa recorda que, no seu Dundo natal, as escolas eram tão segregadas como na África do Sul. E lembram aos juízes que o direito dos povos sob dominação colonial à independência está longe de ser apenas uma reivindicação «comunista»: defendem-no, também, resoluções das Nações Unidas e, até, encíclicas papais.

Tendo, pela primeira vez nas suas múltiplas prisões, possibilidade de se defender em Tribunal, Joaquim Pinto de Andrade aproveita a ocasião para, através de um longo depoimento lido pelo seu advogado, Mário Brochado Coelho, bem como das declarações das suas 21 testemunhas, fazer o processo do colonialismo português em Angola.

Com parte da sala cheia por agentes da polícia política, apenas alguns familiares e amigos dos réus podem assistir ao desenrolar do julgamento. A extensa leitura é seguida em profundo silêncio e muitos são os que choram ao ouvir a belíssima defesa de Pinto de Andrade. Lágrimas que surgirão também quando uma das suas testemunhas narra as perseguições que, em Luanda, se seguiram ao ataque às prisões, a 4 de Fevereiro de 1961.

Mas enquanto no Plenário decorria o julgamento dos angolanos detidos em Portugal e dos dois brancos presos em Luanda - Ferreira Neto e Rui Ramos - e há um ano enviados para a Cadeia do Forte de Caxias, outros jovens - mestiços e negros - presos em Angola, embora ligados ao mesmo processo, tinham já sido enviados, sem julgamento e por simples medida administrativa, para campos de concentração em Angola e Cabo Verde.

Dessa diferença de tratamento se fizera eco a recém-criada Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos. Na sua segunda Circular, de 30 de Abril de 1970, referia que, em Outubro e Novembro do ano anterior, tinham sido presas cerca de 70 pessoas em Angola «todos africanos, com excepção de dois angolanos brancos que foram enviados para Lisboa». Não se conhecia, adiantava a Comissão, o destino dado aos restantes, receando-se «que venham a ser enviados para o Tarrafal».

Preocupada com a possibilidade de os presos serem deportados por simples medida administrativa, a Comissão reclamara junto do Ministro do Ultramar por telegrama: «Tendo chegado nosso conhecimento haver sido ordenada deportação e internamento presos angolanos detidos Luanda aguardando julgamento para campos prisionais Tarrafal e Moçâmedes lavramos vivo protesto contra arbitrariedade e descriminação que significa em relação outros presos detidos Lisboa com processo enviado Tribunal. Solicitamos imediata revogação decisão e concessão presos direitos normais de defesa.»

O protesto de nada valeu. A 29 de Abril de 1970, duas semanas depois de, em Lisboa, a DGS ter anunciado a entrega ao Tribunal Criminal dos 10 acusados presos em Caxias, vários dos jovens presos em Angola no âmbito do mesmo processo foram transferidos da Cadeia da PIDE/DGS em Luanda e embarcados, sob prisão, no cargueiro «Manuel Alfredo»”, que os levou a Bissau. Aí passaram 3 dias na cadeia da cidade, voltando depois para o navio, rumo a Cabo Verde. Em S. Vicente foram mudados para uma fragata da marinha de guerra e levados para a ilha de Santiago, onde ficaram internados no chamado Campo de Trabalho de Chão Bom - irónico nome do campo de concentração do Tarrafal onde, nas décadas de 30 e 40, perderam a vida diversos antifascistas portugueses e o regime encerrava agora os patriotas africanos. Só aí os jovens prisioneiros tomam conhecimento de que lhes haviam sido aplicadas administrativamente penas de prisão maior, de 6 a 10 anos.

Segundo a Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos[3], foram então deportados os estudantes de Engenharia Eduardo Santana Valentim e Alcino Borges, os estudantes de Medicina Alberto Correia Neto e Justino Pinto de Andrade, o irmão deste, Vicente Pinto de Andrade, e Jaime Gaspar Cohen, ambos alunos do Instituto Comercial; Gilberto Saraiva de Carvalho, ex-aluno de Medicina e alferes miliciano; Justino da Conceição, também no serviço militar, Bernardo Lopes Teixeira, aluno do Instituto Industrial, Paiva Domingues da Silva (que acabara de cumprir 9 anos de internamento no campo de S. Nicolau), Francisco Caetano, Makiala, Aldomiro da Conceição, Tito dos Santos e António José Capita.

Ao mesmo tempo que os seus camaradas presos em Angola eram deportados, os presos em Portugal viam-se no centro de um debate jurídico entre o Delegado do Procurador da Republica e os juízes do Plenário: deveriam ser acusados de um crime de «traição à Pátria», «contra a segurança externa do país» (passível de 20 a 24 anos de prisão) ou do mais comum crime «contra a segurança interna do Estado português» (punido com 8 a 12 anos de prisão)?

Terminados os interrogatórios em Abril de 1970, os presos - quase todos na casa dos vinte anos - confrontavam-se com a hipótese de permanecer na prisão quase pelo mesmo tempo que levavam de vida. Hipótese que parecia tanto mais séria quanto Maria José Pinto Coelho, libertada sob fiança em 17 de Março pela DGS, voltara a ser presa, por ordem do Tribunal. Por outro lado, alguns dos presos percebiam, finalmente, a sanha com que a polícia política - que se intitulava DGS em papéis com o cabeçalho PIDE - os interrogara sobre eventuais amizades com elementos da Embaixada de Cuba, que tinham visitado algumas vezes. É que o crime de traição pressupunha a ligação com potências estrangeiras - e haveria, talvez, a hipótese de insinuar a participação de Cuba nas actividades dos detidos.

E de que eram estes, afinal, acusados? Alguns - Zefus, Rui Ramos, Ferreira Neto, Pinto de Andrade - de serem «militantes do MPLA». Outros - Raul Feio, José Ilídio, Diana - de serem «simpatizantes da linha política de acção violenta do MPLA». Garcia Neto e Sabrosa de serem militantes do PCP e simpatizantes do MPLA.

Quanto às acusações concretas: os 3 primeiros, de ter integrado em Luanda um grupo destinado à defesa da causa da independência - Kimangua - que virá a transformar-se no Comité Regional de Luanda e estaria em contacto com o MPLA no exterior e, sobretudo, com a 1ª Região Militar do Movimento; dedicavam-se à doutrinação política, distribuindo livros, brochuras, panfletos; teriam enviado roupa, medicamentos e munições para a 1ª Região; teriam auxiliado a fuga de desertores; teriam levado a cabo distribuições de panfletos em Luanda durante a visita a Angola de Marcelo Caetano e tentado provocar, através de pequenos engenhos explosivos, instabilidade durante a mesma visita (no que confessavam ter lamentavelmente falhado). Os restantes, de lhes ter prestado auxílios diversos, em dinheiro, papel, livros, medicamentos, fotografias, transporte de desertores. Num processo em que, visivelmente, a polícia política perde o pé - em pleno julgamento, a única testemunha de acusação, um agente da PIDE/DGS, acusa um dos presos de ter desviado um avião para Ponta Negra, embaraçando-se mal a defesa, curiosa, perguntou: «E depois voltou para ser preso?» - em desespero de causa, uma das rés é mesmo acusada de ter levado roupas para um angolano preso em Peniche, como se de um crime se tratasse… Maria José tem uma única acusação: ter levado para Paris, e ali posto no correio, uma carta destinada ao Comité Director do MPLA.

A 30 de Março de 1971, os três juízes do Tribunal Plenário de Lisboa ditam a sentença: 4 anos e meio de prisão maior e 2 anos de multa para Álvaro Sequeira Santos e Garcia Neto, 3,5 anos de prisão e 2 de multa para Rui Ramos, 3 anos de prisão e 2 de multa para Joaquim Pinto de Andrade, 2,5 anos de prisão e 2 anos de multa para Ferreira Neto, 20 meses de prisão e multa para Diana Andringa, 18 meses de prisão e multa para Raul Feio e Fernando Sabrosa, 16 meses de prisão e multa para José Ilídio Cruz. Os condenados a pena maior sofrem também privação de direitos políticos por 15 anos e os restante por 5 anos. Maria José é absolvida, após 13 meses na prisão.

Entretanto, continuam presos no Tarrafal os jovens detidos em 1969 em Luanda. Familiares e advogados empenham-se numa luta pela aplicação de habeas corpus. A 27 de Junho de 1973, a Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça - composta por José Osório da Gama e Castro Saraiva de Albuquerque, Adriano Vera Jardim e Jacinto Fernandes Rodrigues Bastos - analisa os pedidos de Bernardo Lopes Teixeira, Jaime Cohen e Gilberto Saraiva de Carvalho e conclui que estão efectivamente presos no Campo de Chão Bom (Tarrafal) e que tal prisão é ilegal, visto que a medida administrativa que lhes fora aplicada «não consente a prisão, mas apenas a fixação de residência» e decide por isso ordenar que sejam imediatamente postos em liberdade, «sem prejuízo na medida de segurança de fixação de residência que lhes foi aplicada». A decisão é comunicada ao director do Campo do Tarrafal no dia seguinte, 28, mas os presos não são libertados. A 5 de Julho, o director chama-os para lhes dizer ter recebido um telegrama mandando-os apresentar na Direcção Geral de Segurança. Passam essa noite sob prisão na delegação da polícia política na Cidade da Praia. No dia seguinte, sempre sob prisão e em avião especialmente fretado, seguem para a Ilha do Sal e daí para Portugal, onde ficam na Cadeia do Forte de Caxias. Partem, a 10 de Julho, para Luanda, onde são conduzidos para o Pavilhão Prisional da DGS. Aí lhes é comunicado pela polícia que vão ser internados no Campo de Recuperação de S. Nicolau, em Moçâmedes, por 3 anos. O despacho que determina o seu internamento tem a data de 13 de Julho e é assinado pelo Secretário Geral de Angola, Soares Carneiro.

Como pode ler-se «Angolanos no Tarrafal: alguns casos de habeas corpus»[4], «foi, portanto, a S. Nicolau que os três beneficiários do habeas corpus foram dar. Imediatamente metidos na “prisão” do Campo, aí jazeram dois dias, dormindo no chão, sem quaisquer condições de higiene nem de alimentaç㻓.

Transferidos para S. Nicolau III, são depois sujeitos a trabalhos forçados nas salinas: «Das 6,45 às 12 e das 13,20 às 17 horas, transportam terra ou sal em gamelas de madeira, à cabeça ou aos ombros, sob a vigilância permanente de um encarregado», narra-se, no livro citado. Para terminar com uma pergunta: «Quantas gamelas de sal terão ainda que carregar, até que lhes nasça o dia da justiça?»

A libertação chega no ano seguinte, na sequência do 25 de Abril. O sonho que tiveram para Angola, esse, tarda a cumprir-se.


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[1] Excerto de uma carta de JPA a Agostinho Neto

em 3.5.1976, citada por Mário Brochado Coelho, em texto de homenagem a Joaquim Pinto de Andrade, 2003.
[2] Disponível aqui.
[3] Circular nº 5, de 10 de Agosto de 1970.
[4] Abranches-Ferrão, Fernando, Francisco Salgado Zenha, Levy Baptista, Manuel João da Palma Carlos, “Angolanos no Tarrafal: alguns casos de habeas corpus Colecção bezerro d’ouro, Afrontamento, Porto 1974.


(Publicado no nº 27 da colecção Os anos de Salazar/ O que se contava e o que se ocultava durante o Estado Novo , coordenada por António Simões do Paço.)

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quarta-feira, janeiro 07, 2009

HERMENÊUTICA E MEMÓRIAS /Eugénio Ferreira

HERMENÊUTICA E MEMÓRIAS

Por vezes fica-se com a sensação de que um Poder Político dominante num Estado formalmente de direito , porventura por via das condições concretas em que o processo histórico se desen cadeia , tem a veleidade de poder pôr e dispôr da verdade em nome de causas , de legitimida des adquiridas , de fontes de inspiração poético – lamechas , de”ouvidos”bem apurados ou de outros quaisquer aspectos . E mais , até do ponto de vista das teorias , das ideologias , das filosofias da vida e do espírito , parece ter-se a sensação de que algo que deveria ser um meio instrumental prático de convivência democrática , de troca de ideias viva e actuante perante concepções da vida tão diversas e por vezes tão opostas , redunda numa contradição entre algo que”somos nós e os nossos amigos” e outras pessoas , outras concepções , outras formas de ver a vida que são entendidas como estranhas , como perigosas , como caminhos ínvios , não muito aconselháveis , logo inexistentes .
Isto vem a propósito de dois “ pormenores “ que revelam com precisão, que a convivência democrática ,a vários níveis do nosso Estado de direito , formalizado e legitimado pelas eleições parlamentares do ano passado , não é tão fácil como aquilo que se diz algures . Um dos “por menores “ tem a ver com a ciência da interpretação das fontes documentais , isto é , tem por fim fazer compreender um texto na sua verda de e em toda a sua força expressiva . Dito de outro modo , por exemplo um historiador deverá ter o trabalho de ler e interpretar tudo o que é a ba se documental , seja avulso , fotográfico , relacionado com os códices ou com os livros e outros suportes , a fim de , sobre um determina do período da história ou sobre uma personagem su postamente importante de uma certa época de um lugar , difundir informação que seja um contributo para que as novas e futuras gerações conheçam as situações e as personagens que serão os suportes das várias facetas da His tória desse lugar . Que pode ser um país , uma al deia , um homem , um continente , um grupo social ou , porventura em casos como o de Ango la , o da gesta da libertação nacional . Ora um dos “ pormenores “ que tem a ver com a História de Angola relacionada com a libertação nacional , segundo os volumes sobre a História do MP LA publicados o ano passado , revela –nos , de modo bem interessante , que , certamen te por motivos que não têm a ver com a hermenêutica , que a origem do Movimento Popular de Liber tação de Angola – o partido que ga nhou as eleições 68 anos depois , aparece em 1940 numa primeira leitura hiper-cuidada , ou seja , tendo em conta o que deve ser a interpre tação do texto apresentado . Depois , nas leituras posteriores , porventura com um espírito onde a filosofia da agradabilidade passa a funcio nar com algum rigor , percebe-se que afinal o Movimento começa num determinado período , é um movimento geral , global , porventura mundializado , e a sua organização desencadeia-se alguns lustros depois . O outro “ pormenor “ é mais terreno , mais preciso ainda , e tem a ver com uma publicação , também difundida o ano passado , por sinal de um representante do Poder Político dominante , e que fala de me mórias sobre o período entre a chamada Revolução dos Cravos , desencadeada no centro do Poder Imperial Português e o ano miraculoso de final de todas as etapas – 1976 : é o livro do mui estimado pelo Nacionalismo camarada doutor Manuel Pedro Pacavira . Nesta publicação , cheia de actores , de actoras e de actrizes do processo histórico , relacionada exclusivamente com a luta de libertação desencadeada e impul sionada pelo MPLA , vem bem expresso um rol de factos que são , com toda a clareza , a visão de um experimentado militante que desde os anos 50 , pelo menos a ter em conta os Arquivos verificados por muitos interessados , sobre esses anos que levaram como diz nessa publica ção o Presidente da República ,” muitos Camaradas e Compatriotas” a inscreverem“ o seu nome nas páginas gloriosas da nossa História co mum “ . Ora , como pessoa que tem tentado conhecer a base documental existente sobre História de Angola , percebi que a intenção difun dida pelos profissionais do mesmo ofício , a ter em conta silêncios e omissões , afirmações e formas rebuscadas de difusão de informação pre cisamente tendo em conta as ge rações mais jovens e futuras , fiquei a compreender o seguinte : mesmo abstraindo da base do cumental que existe nos arquivos até 1974 , numa selecção política científicamente elaborada a fim de fortalecer não a diversidade de pontos de vista”dos Camaradas e dos Compatriotas” que , muitos deles conjunturalmente decisivos de e por muitas formas, foram pedras funda mentais para que a luta de libertação nacional , tal como ela se desencadeiou , triunfasse , mes mo assim , reparei que no livro publicado – e ainda bem ! – pelo Camarada doutor Manuel Pedro Pacavira , sabendo perfeitamente que todos os Camaradas são Compatriotas , as situações e persona gens da gesta de Libertação Nacional , numa contabilização rigorosa , não foram par ticipadas por Compatriotas que nunca foram ou quize ram ser Camaradas . Mas porque a interpretação das fontes documentais e até da própria vida como foi vivida , tem o seu quê de subjectiva – tem a ver com pessoas – e dado que situações , mudanças , alterações de estruturas são muito mais fáceis de detectar e também devem po der contar para se fazer História , neste caso de Angola – tem a ver com a relação entre as pessoas e os grupos , logo são factos muito mais objectivos e precisos , ficaria apenas por dois exemplos para que se possa demonstrar , in factum , que esta “ coisa “ da hermenêutica , se relacionada com a política , tem muito que se lhe diga .
Primeiro facto : o camarada doutor Manuel Pedro Pacavira diz, nas suas memórias, que o MDA que foi o Movimento Democrático de Angola , foi o “ movimento da Dra .Medina “ . Assim sendo , e por que essa é a sua interpretação – a que tem direito - não só sobrevaloriza o papel de uma personagem em tal movimento , como o articula , com clareza num leque de grupos que se constituiram em torno do MPLA , como ou tros também o fizeram . Acontece que , acreditando piamente nas palavras do Camarada doutor Manuel Pedro Pacavira , quando de facto e por via da hermenêutica , os historiadores verificarem alguns jornais coloniais – que nos dias de hoje não se sabe se estavam ao serviço da Libertação Nacional ou se eram lacaios do imperialis mo ao tempo - , verificarão que há algum tempo atrás , a quando do falecimento de An tónio Cardoso , se dizia que este tinha sido o Presidente do MDA . Normalmente , conota-se simbolicamente um Movimento com o seu chefe em certos estádios de desenvolvimento cultural . Assim , qualquer historiador ficará confuso se ler os jornais sobre o assunto . Mas há um do cumento elucidativo e fulcral, que demonstra que os Movimentos Democráticos formalmente integraram-se no MP LA no dia 10 de Março de 1975 , como se pode verificar , por exemplo , no Diário de Luanda do dia 11 sequente . Assim , dessa forma , a dúvida instalar-se –à , embora de forma alguma , como são factos relevantes apenas entre actores , actoras e actrizes secundários do processo de Luta de Libertação Nacio nal , possam ferir , de algum modo , uma clarificação sobre “ a evolução do MPLA desde o momento em que foi dilacerado pelas chamadas “ revoltas “ , até à conquista do poder político “ , na feliz afirmação do “ Camarada e Compatriota” Aldemiro Vaz da Conceição em Prefácio .
Segundo facto : a questão da “ Morte de Pedro Benge “ que levou o “cortejo fúnebre convertido numa grande manifestação popular foi a pé desde a Igreja de São Domingos ao cemitério de Santana , na Estrada de Catete...sendo acompanhada pelo então cónego Alexandre do Nasci mento que...depois de terminado o ofício religioso , expressa ra a vontade e disponiblidade de comparticipar dos esforços para a futura cons tituição de Angola “ . A ter em conta os jornais coloniais do tempo – e a visão do acontecimento por outros compo nentes do“povo angolano“, a começar pelo conjunto das pessoas que presenciaram a totalidade do acontecimento como o Artur das barbas - será invenção minha ? - , à luz dos futuros historiadores , por exemplo daqui a 20 anos , tendencialmente ninguém poderá exprimir , sem reservas , a descrição precisa , pois , embora tenha havido , no movimento populacional desencadeado , pessoas que se integraram a meio do percurso ,outras que o inicia ram e ficaram a três quartos do dito , outras de outros modos participando , quero crer que a marcha terá sido um pouco mais extensa do que aquela que é descrita . A não ser que, por via da luta contra o colonialismo , no caminho tortuoso que é sempre o da morte de uma pessoa , ainda por cima vilmente assassinada , se tenha estabelecido, porventura por decisão revolucionária à luz de todas as formas e” capas” de cisórias de “separação de águas “ , uma “tesoura“ simbólica para definir a luta dos colonizados a partir da Igreja de São Domingos contra o poder dos colonizadores e dos seus amigos a esse símbolo da cristandade chegados , a partir da Liga Nacional Africana .
Estes dois factos , são elucidativos de que a conexão entre “Angola e o Movimento revolucionário dos capitães de Abril em Portugal “ , subti tulo escolhido pelo Camarada Doutor Manuel Pedro Pacavira para fazer as suas memórias , do ponto de vista nacionalista excelentemente prefaciadas pelo Camarada Aldemiro Vaz da Conceição , continua viva . E constituem uma forma feliz e eficaz de, nas condições dificeis que o “ povo angolano “ atravessa , perante uma realidade em que não se sabe muito bem quem são , de facto , 34 anos depois , os lacaios do im perialismo , servir de suporte aos historiadores do futuro , a um plano ; e para as gerações mais novas e futuras , a outro plano ,como meio de verificação de que a política , a hermenêutica , a história real e a memória são as únicas formas que temos humanamente para nos entender mos na vida . Porquê?
Porque quando eu contar , já velhinho de oitenta anos , aos meus filhos , que eu , eivado de um sentimento de desejo de independência e de respeito , também pude presenciar factos como esses - tanto sobre o MDA como o do enterro de Pedro Benge , ver-me –ei na difícil posição de não conseguir distinguir , com a precisão sempre exigida a um licenciado em história , a estrita descrição dos factos tal e qual eles se de senrolaram com os delírios que , caquético , olhando porventura para um deus desconhecido à procura de um apoio que ninguém me dará , serei capaz de inventar para defender o meu ponto de vista . Será que a vida é só isto ? Bem haja Camarada Doutor Manuel Pedro Pacavira , descendente – a ter em conta a hermenêutica e talvez não a realidade real – de famílias proprietárias rurais no Golungo Alto , nos finais do sé culo XIX e primeiras décadas do século XX , segundo um códice do Arquivo Histórico Nacional !

Eugénio Monteiro Ferreira 060108 , dia de reis segundo o calendário não formal de uma República Laica .

sábado, janeiro 03, 2009

Ativista anti-apartheid Helen Suzman morre na África do Sul



JOHANESBURGO (Reuters) - Helen Suzman, uma das mais notáveis ativistas anti-apartheid da África do Sul, morreu nesta quinta-feira aos 91 anos.

Suzman foi por 36 anos a mais famosa mulher branca a combater o apartheid, promovendo uma batalha parlamentar firme e muitas vezes solitária para emancipar a maioria negra do país.

Suzman se tornou uma das únicas pessoas brancas a ganhar o respeitos dos sul-africanos negros quando começou a fazer visitas frequentes ao líder Nelson Mandela na prisão. Mandela havia sido condenado à prisão perpétua em 1964.

A Fundação Nelson Mandela disse que a África do Sul perdeu uma "grande patriota e destemida combatente contra o apartheid".

A filha de Suzmam Frances Jowell foi citada pela agência de notícias Sapa dizendo que sua mãe morreu de maneira pacífica em sua casa em Johanesburgo.

Relembrando a primeira visita de Suzman à seção B da prisão de Robben Island em 1967, Mandela disse uma vez: "Foi uma visão estranha e maravilhosa, essa mulher corajosa observando nossas celas e passando pelo pátio. Ela foi a primeira e única mulher a passar por nossas celas".

Suzman e Mandela, que foi libertado da prisão em 1990, se tornaram bons amigos depois que ele foi eleito o primeiro presidente negro da África do Sul em 1994.

Apesar do final do apartheid na África do Sul, há ainda grandes lembranças do racismo institucionalizado combatido pelos dois.

Milhões de negros privados de oportunidades econômicas durante o apartheid ainda vivem em pobreza em vilas sombrias.

O Congresso Nacional Africano (ANC), que ajudou a acabar com o apartheid, tem sido atingido por disputas de poder, o que segundo críticos ofuscou questões cruciais como a pobreza, o crime, e a Aids.


Globo (Brasil)