sexta-feira, junho 05, 2009

Bem caçada!

ADEUS GENERAL MOTORS






ADEUS GENERAL MOTORS


*Por Michael Moore, traduzido no Brasil

Escrevo na manhã que marca o fim da toda-poderosa General Motors. Quando
chegar a noite, o Presidente dos Estados Unidos terá oficializado o ato: a
General Motors, como conhecemos, terá chegado ao fim.

Estou sentado aqui na cidade natal da GM, em Flint, Michigan, rodeado por
amigos e familiares cheios de ansiedade a respeito do futuro da GM e da
cidade. 40% das casas e estabelecimentos comerciais estão abandonados por
aqui. Imagine o que seria se você vivesse em uma cidade onde uma a cada duas
casas estão vazias. Como você se sentiria?

É com triste ironia que a empresa que inventou a “obsolescência programada”
– a decisão de construir carros que se destroem em poucos anos, assim o
consumidor tem que comprar outro – tenha se tornado ela mesma obsoleta. Ela
se recusou a construir os carros que o público queria, com baixo consumo de
combustível, confortáveis e seguros. Ah, e que não caíssem aos pedaços
depois de dois anos. A GM lutou aguerridamente contra todas as formas de
regulação ambiental e de segurança. Seus executivos arrogantemente ignoraram
os “inferiores” carros japoneses e alemães, carros que poderiam se tornar um
padrão para os compradores de automóveis. A GM ainda lutou contra o trabalho
sindicalizado, demitindo milhares de empregados apenas para “melhorar” sua
produtividade a curto prazo.

No começo da década de 80, quando a GM estava obtendo lucros recordes,
milhares de postos de trabalho foram movidos para o México e outros países,
destruindo as vidas de dezenas de milhares de trabalhadores americanos. A
estupidez dessa política foi que, ao eliminar a renda de tantas famílias
americanas, eles eliminaram também uma parte dos compradores de carros. A
História irá registrar esse momento da mesma maneira que registrou a Linha
Maginot francesa, ou o envenenamento do sistema de abastecimento de água dos
antigos romanos, que colocaram chumbo em seus aquedutos.

Pois estamos aqui no leito de morte da General Motors. O corpo ainda não
está frio e eu (ouso dizer) estou adorando. Não se trata do prazer da
vingança contra uma corporação que destruiu a minha cidade natal, trazendo
miséria, desestruturação familiar, debilitação física e mental, alcoolismo e
dependência por drogas para as pessoas que cresceram junto comigo. Também
não sinto prazer sabendo que mais de 21 mil trabalhadores da GM serão
informados que eles também perderam o emprego.

Mas você, eu e o resto dos EUA somos donos de uma montadora de carros! Eu
sei, eu sei – quem no planeta Terra quer ser dono de uma empresa de carros?
Quem entre nós quer ver 50 bilhões de dólares de impostos jogados no ralo
para tentar salvar a GM? Vamos ser claros a respeito disso: a única forma de
salvar a GM é matar a GM. Salvar a preciosa infra-estrutura industrial, no
entanto, é outra conversa e deve ser prioridade máxima.

Se permitirmos o fechamento das fábricas, perceberemos que elas poderiam ter
sido responsáveis pela construção dos sistemas de energia alternativos que
hoje tanto precisamos. E quando nos dermos conta que a melhor forma de nos
transportarmos é sobre bondes, trens-bala e ônibus limpos, como faremos para
reconstruir essa infra-estrutura se deixamos morrer toda a nossa capacidade
industrial e a mão-de-obra especializada?

Já que a GM será “reorganizada” pelo governo federal e pela corte de
falências, aqui vai uma sugestão ao Presidente Obama, para o bem dos
trabalhadores, da GM, das comunidades e da nação. 20 anos atrás eu fiz o
filme “Roger & Eu”, onde tentava alertar as pessoas sobre o futuro da GM. Se
as estruturas de poder e os comentaristas políticos tivessem ouvido, talvez
boa parte do que está acontecendo agora pudesse ter sido evitada. Baseado
nesse histórico, solicito que a seguinte ideia seja considerada:

1. Assim como o Presidente Roosevelt fez depois do ataque a Pearl Harbor, o
Presidente (Obama) deve dizer à nação que estamos em guerra e que devemos
imediatamente converter nossas fábricas de carros em indústrias de
transporte coletivo e veículos que usem energia alternativa. Em 1942, depois
de alguns meses, a GM interrompeu sua produção de automóveis e adaptou suas
linhas de montagem para construir aviões, tanques e metralhadoras. Esta
conversão não levou muito tempo. Todos apoiaram. E os nazistas foram
derrotados.

Estamos agora em um tipo diferente de guerra – uma guerra que nós travamos
contra o ecossistema, conduzida pelos nossos líderes corporativos. Essa
guerra tem duas frentes. Uma está em Detroit. Os produtos das fábricas da
GM, Ford e Chrysler constituem hoje verdadeiras armas de destruição em
massa, responsáveis pelas mudanças climáticas e pelo derretimento da calota
polar.

As coisas que chamamos de “carros” podem ser divertidas de dirigir, mas se
assemelham a adagas espetadas no coração da Mãe Natureza. Continuar a
construir essas “coisas” irá levar à ruína a nossa espécie e boa parte do
planeta.

A outra frente desta guerra está sendo bancada pela indústria do petróleo
contra você e eu. Eles estão comprometidos a extrair todo o petróleo
localizado debaixo da terra. Eles sabem que estão “chupando até o caroço”. E
como os madeireiros que ficaram milionários no começo do século 20, eles não
estão nem aí para as futuras gerações.

Os barões do petróleo não estão contando ao público o que sabem ser verdade:
que temos apenas mais algumas décadas de petróleo no planeta. À medida que
esse dia se aproxima, é bom estar preparado para o surgimento de pessoas
dispostas a matar e serem mortas por um litro de gasolina.

Agora que o Presidente Obama tem o controle da GM, deve imediatamente
converter suas fábricas para novos e necessários usos.

2. Não coloque mais US$30 bilhões nos cofres da GM para que ela continue a
fabricar carros. Em vez disso, use este dinheiro para manter a força de
trabalho empregada, assim eles poderão começar a construir os meios de
transporte do século XXI.

3. Anuncie que teremos trens-bala cruzando o país em cinco anos. O Japão
está celebrando o 45o aniversário do seu primeiro trem bala este ano. Agora
eles já têm dezenas. A velocidade média: 265km/h. Média de atrasos nos
trens: 30 segundos. Eles já têm esses trens há quase 5 décadas e nós não
temos sequer um! O fato de já existir tecnologia capaz de nos transportar de
Nova Iorque até Los Angeles em 17 horas de trem e que esta tecnologia não
tenha sido usada é algo criminoso. Vamos contratar os desempregados para
construir linhas de trem por todo o país. De Chicago até Detroit em menos de
2 horas. De Miami a Washington em menos de 7 horas. Denver a Dallas em 5h30.
Isso pode ser feito agora.

4. Comece um programa para instalar linhas de bondes (veículos leves sobre
trilhos) em todas as nossas cidades de tamanho médio. Construa esses trens
nas fábricas da GM. E contrate mão-de-obra local para instalar e manter esse
sistema funcionando.

5. Para as pessoas nas áreas rurais não servidas pelas linhas de bonde, faça
com que as fábricas da GM construam ônibus energeticamente eficientes e
limpos.

6. Por enquanto, algumas destas fábricas podem produzir carros híbridos ou
elétricos (e suas baterias). Levará algum tempo para que as pessoas se
acostumem às novas formas de se transportar, então se ainda teremos
automóveis, que eles sejam melhores do que os atuais. Podemos começar a
construir tudo isso nos próximos meses (não acredite em quem lhe disser que
a adaptação das fábricas levará alguns anos – isso não é verdade)

7. Transforme algumas das fábricas abandonadas da GM em espaços para moinhos
de vento, painéis solares e outras formas de energia alternativa. Precisamos
de milhares de painéis solares imediatamente. E temos mão-de-obra capacitada
a construí-los.

8. Dê incentivos fiscais àqueles que usem carros híbridos, ônibus ou trens.
Também incentive os que convertem suas casas para usar energia alternativa.

9. Para ajudar a financiar este projeto, coloque US$ 2,00 de imposto em cada
galão de gasolina. Isso irá fazer com que mais e mais pessoas convertam seus
carros para modelos mais econômicos ou passem a usar as novas linhas de
bondes que os antigos fabricantes de automóveis irão construir.

Bom, esse é um começo. Mas por favor, não salve a General Motors, já que uma
versão reduzida da companhia não fará nada a não ser construir mais Chevys
ou Cadillacs. Isso não é uma solução de longo prazo.

Cem anos atrás, os fundadores da General Motors convenceram o mundo a
desistir dos cavalos e carroças por uma nova forma de locomoção. Agora é
hora de dizermos adeus ao motor a combustão. Parece que ele nos serviu bem
durante algum tempo. Nós aproveitamos restaurantes drive-thru. Nós fizemos
sexo no banco da frente – e no de trás também. Nós assistimos filmes em
cinemas drive-in, fomos à corridas de Nascar ao redor do país e vimos o
Oceano Pacífico pela primeira vez através da janela de um carro na Highway
1. E agora isso chegou ao fim. É um novo dia e um novo século. O Presidente
– e os sindicatos dos trabalhadores da indústria automobilística – devem
aproveitar esse momento para fazer uma bela limonada com este limão amargo e
triste.

Ontem, a último sobrevivente do Titanic morreu. Ela escapou da morte certa
naquela noite e viveu por mais 97 anos.

Nós podemos sobreviver ao nosso Titanic em todas as “Flint – Michigans”
deste país. 60% da General Motors é nossa. E eu acho que nós podemos fazer
um trabalho melhor.