domingo, julho 12, 2009

Não deixar morrer o Dondo(III)/ Aida Freudenthal/ Novo Jornal / Luanda 10-07-09



III. O património urbanístico
A primeira intervenção urbanística no Dondo operada na 2ª metade do século XVIII, ocorreu num tempo em que a intensidade do tráfico criava problemas sanitários graves na vida de homens livres e escravos. Foi promovido o saneamento urbano através do aterro de pântanos, do abastecimento de água em fontanários e da construção de alguns edifícios públicos. O núcleo embrionário “em quadra” a partir do qual foi implantado o traçado ortogonal, era o modelo característico da era pombalina (Batalha 1951 e 2008). Na rede urbana de planície foram sendo erguidas grandes casas de negócio com quintalões para escravos e mercadorias, tendo grandes armazens e casas comerciais deixado marca na vila. As lojas de um piso e alguns sobrados na rua Capacala traduzem a solidez de algumas famílias antigas do Dondo, cujas campas perpetuam a sua memória no cemitério da vila. A principal originalidade da arquitectura civil do Dondo consiste em construções térreas de grossas paredes de pedra ou de adobe cobertas de telha, cujas fachadas são rasgadas por uma sucessão de portas e janelas em arco onde os umbrais contrastam com as cores das paredes. Acrescente-se que em 1877, além de muitas cubatas não contabilizadas, a vila contava com 14 casas de negócio, 55 casas de pedra e barro e 5 sobrados de dois pisos na Rua Principal (antiga Rua Capacala). Subsidiária do conceito imperial de urbanização, o vasto largo da Quitanda junto ao rio, era o centro de toda a azáfama comercial, local de embarque e desembarque das mercadorias destinadas à exportação através de Luanda [Batalha 1960]. A expansão urbana ocorrida nas décadas de 70 e 80, exigiu ainda a construção de novas estruturas como os Paços do Concelho, o hospital, o mercado e o açougue, foi arborizado o Passeio Público e instalado o coreto para a banda de música. Ampliando os espaços verdes, os largos arruamentos foram sombreados com acácias rubras. A vila passou por uma transformação radical no aspecto sanitário e urbanístico, e foi a primeira em Angola a ver instalada a iluminação pública no último quartel do século XIX. Já no século XX, existia uma escola oficial, uma católica e outra evangélica e em 1957 foi construído o novo hospital que se empenhou no combate à doença do sono que era um terrível flagelo na região. Em termos urbanísticos, a singularidade do Dondo provém da conjunção das velhas casas de cunho tradicional português com portentosas árvores africanas; nas ruas largas, as espessas paredes das construções e as frondosas copas do arvoredo irmanaram-se numa aliança defensiva contra os raios escaldantes do sol. Com efeito “esta visão urbana que será já única em Angola pela sua beleza natural e grandiosidade de proporções, dir-se-ia uma amostra da exuberante floresta tropical dentro da povoação.”(Batalha 2008)
Em pleno século XXI, graças ao empenho actual do Ministério da Cultura e dos municípios mais conscientes dos seus valores patrimoniais, constatamos que têm sido registados actos de defesa do património urbanístico que se encontra em perigo, como acabamos de registar no Dondo onde espaços e edifícios públicos estão a ser recuperados. Esperamos pois a continuação da tarefa iniciada, com o restauro do sobrado com “a mais bela janela de sacada de Angola”, com a recuperação da dignidade do cemitério e a reconstrução do porto fluvial onde existiu um cais de alvenaria que pode servir de passeio para peões e zona de lazer. No nosso entender todo o cidadão tem o dever de apoiar as acções que visam não só preservar um pouco da história do país para as jovens gerações, como recuperar estruturas capazes de defender a dimensão humana dos agregados populacionais, melhorando a qualidade de vida dos seus habitantes e sustentando o desenvolvimento económico e social de cada região. Por tudo isso, importa não deixar morrer o Dondo.

12 de Junho de 2009 Aida Freudenthal